Por Josué de Asevedo Soares
Resumo
Este artigo examina a
relação entre a teologia catafática e a teologia apofática, destacando suas
metodologias, fundamentos históricos e a forma como cada uma contribui para uma
compreensão equilibrada da transcendência e imanência divinas. A teologia catafática
busca afirmar positivamente atributos de Deus, enquanto a apofática, por sua
vez, enfatiza a inefabilidade divina e o limite da linguagem humana. O estudo
demonstra que, longe de serem abordagens concorrentes, ambas se complementam ao
preservar tanto a acessibilidade quanto o mistério de Deus.
Palavras-chave: teologia catafática;
teologia apofática; atributos divinos; inefabilidade; misticismo cristão.
Introdução
A teologia cristã
desenvolveu, ao longo dos séculos, diferentes métodos para falar sobre Deus.
Entre eles, destacam-se duas vias fundamentais: a teologia catafática (ou via afirmativa) e a teologia apofática (ou via negativa). A
primeira enfatiza aquilo que se pode afirmar sobre Deus com base na revelação,
enquanto a segunda sublinha aquilo que não pode ser dito devido à
transcendência e inefabilidade divinas. Ambas expressam a tensão estrutural
entre o Deus que se revela e o Deus que permanece misterioso. Neste artigo,
exploramos essas duas perspectivas, destacando seu desenvolvimento histórico e
suas contribuições para a teologia cristã.
Teologia Catafática: A Via da Afirmação
A teologia
catafática parte do pressuposto de que Deus se deu a conhecer ao mundo e, portanto,
podemos afirmar positivamente atributos divinos como bondade, justiça, amor,
eternidade e onipotência. Tal abordagem é comum na tradição latina e na
teologia sistemática clássica, especialmente em autores como Agostinho, Tomás
de Aquino e, mais tarde, na teologia protestante.
Para Tomás de
Aquino, ainda que a linguagem humana seja limitada, ela pode falar
verdadeiramente sobre Deus por meio da analogia,
isto é, uma relação proporcional entre Deus e a criatura¹. Assim, quando se diz
que Deus é “bom”, essa bondade não é idêntica nem totalmente diferente da
bondade humana; ela é analógica, permitindo afirmar algo real sobre o Ser
divino.
Além disso, a
teologia catafática está intimamente ligada à revelação bíblica, que expressa
afirmações claras sobre Deus. A Escritura se refere a Ele como Pai, Pastor,
Rei, Criador e Salvador. Essas afirmações, embora metafóricas, comunicam
verdades essenciais sobre o caráter divino.
Teologia Apofática: A Via
da Negação
A teologia apofática,
por sua vez, enfatiza a transcendência
divina e a insuficiência da linguagem humana. De acordo com essa
perspectiva, qualquer tentativa de definir Deus limita Sua infinitude e,
portanto, deve ser negada ou relativizada. Em vez de afirmar o que Deus é, a
teologia apofática afirma o que Ele não é.
A tradição
apofática é fortemente representada por autores como Gregório de Nissa, Basílio
de Cesareia e, de modo especial, o influente Pseudo-Dionísio Areopagita, cuja
obra Teologia Mística tornou-se referência
fundamental para o misticismo cristão². Para esses teólogos, Deus habita em uma
“treva luminosa”, inacessível aos sentidos e além de qualquer forma de
categorização.
A teologia
apofática desenvolve-se especialmente no âmbito da espiritualidade e mística
oriental, onde o silêncio, a contemplação e a suspensão da linguagem
desempenham papel central. Nessa perspectiva, reconhecer a inefabilidade de
Deus não nega Sua revelação, mas protege o mistério que constitui a essência
divina.
Convergências e Complementaridades
Embora distintas,
as duas vias não se excluem. Ambas emergem da mesma preocupação fundamental:
falar de Deus com reverência, evitando extremos de racionalização ou misticismo
absoluto. Por um lado, a teologia catafática impede que o discurso religioso
seja dissolvido no silêncio. Por outro, a teologia apofática impede que o
mistério de Deus seja reduzido a conceitos meramente racionais.
Teólogos
contemporâneos, como Karl Rahner, Vladimir Lossky e Jürgen Moltmann, defendem
que ambas as vias são necessárias para uma compreensão equilibrada da fé.
Lossky, em particular, argumenta que a teologia ortodoxa integra as duas
perspectivas, afirmando que “toda afirmação sobre Deus deve ser equilibrada por
uma negação correspondente”³.
Assim, a teologia
cristã madura reconhece que o Deus que se revela também se oculta; o Deus que
se aproxima permanece transcendente; e o Deus que fala também convida ao
silêncio.
Considerações Finais
A teologia
catafática e a apofática representam duas abordagens essenciais no discurso
sobre Deus. A primeira, enfatizando afirmações positivas, destaca a proximidade
e a acessibilidade da revelação; a segunda, ressaltando a negação e o mistério,
sublinha a transcendência e grandeza divinas. Juntas, constituem um equilíbrio
necessário para evitar tanto a idolatria conceitual quanto o agnosticismo
religioso.
Compreender a
complementaridade entre essas vias é fundamental para uma teologia que
reconhece simultaneamente o Deus que se comunica e o Deus que está além de toda
expressão humana. Em última análise, ambas as tradições ecoam a convicção
bíblica de que Deus é ao mesmo tempo imenso
e íntimo, transcendente e
imanente, oculto e revelado.
Bibliografia
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
LOSSKY, Vladimir. Teologia Mística da Igreja
do Oriente. São Paulo: Paulus, 2004.
PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. Teologia Mística.
São Paulo: Paulinas, 1995.
RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé.
São Paulo: Paulus, 1989.
TORRELL, Jean-Pierre. Iniciação a Tomás de
Aquino. São Paulo: Loyola, 2012.
____________________________________________________________
1.
AQUINO, Tomás de. Suma
Teológica, I, q. 13, a. 5.
2.
PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. Teologia Mística, cap. I.
3.
LOSSKY, Vladimir. Teologia
Mística da Igreja do Oriente, p. 44.
Benção de Deus!
ResponderExcluirDeus seja louvado professor!
ResponderExcluirSempre um prazer de lê os seus artigos!
ResponderExcluirBoas Palavras!
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