quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A Tensão e a Complementaridade entre Teologia Catafática e Apofática na Compreensão dos Atributos de Deus

 

Por Josué de Asevedo Soares

Resumo

Este artigo examina a relação entre a teologia catafática e a teologia apofática, destacando suas metodologias, fundamentos históricos e a forma como cada uma contribui para uma compreensão equilibrada da transcendência e imanência divinas. A teologia catafática busca afirmar positivamente atributos de Deus, enquanto a apofática, por sua vez, enfatiza a inefabilidade divina e o limite da linguagem humana. O estudo demonstra que, longe de serem abordagens concorrentes, ambas se complementam ao preservar tanto a acessibilidade quanto o mistério de Deus.

Palavras-chave: teologia catafática; teologia apofática; atributos divinos; inefabilidade; misticismo cristão.

 Introdução

A teologia cristã desenvolveu, ao longo dos séculos, diferentes métodos para falar sobre Deus. Entre eles, destacam-se duas vias fundamentais: a teologia catafática (ou via afirmativa) e a teologia apofática (ou via negativa). A primeira enfatiza aquilo que se pode afirmar sobre Deus com base na revelação, enquanto a segunda sublinha aquilo que não pode ser dito devido à transcendência e inefabilidade divinas. Ambas expressam a tensão estrutural entre o Deus que se revela e o Deus que permanece misterioso. Neste artigo, exploramos essas duas perspectivas, destacando seu desenvolvimento histórico e suas contribuições para a teologia cristã.

 Teologia Catafática: A Via da Afirmação

A teologia catafática parte do pressuposto de que Deus se deu a conhecer ao mundo e, portanto, podemos afirmar positivamente atributos divinos como bondade, justiça, amor, eternidade e onipotência. Tal abordagem é comum na tradição latina e na teologia sistemática clássica, especialmente em autores como Agostinho, Tomás de Aquino e, mais tarde, na teologia protestante.

Para Tomás de Aquino, ainda que a linguagem humana seja limitada, ela pode falar verdadeiramente sobre Deus por meio da analogia, isto é, uma relação proporcional entre Deus e a criatura¹. Assim, quando se diz que Deus é “bom”, essa bondade não é idêntica nem totalmente diferente da bondade humana; ela é analógica, permitindo afirmar algo real sobre o Ser divino.

Além disso, a teologia catafática está intimamente ligada à revelação bíblica, que expressa afirmações claras sobre Deus. A Escritura se refere a Ele como Pai, Pastor, Rei, Criador e Salvador. Essas afirmações, embora metafóricas, comunicam verdades essenciais sobre o caráter divino.

Teologia Apofática: A Via da Negação

A teologia apofática, por sua vez, enfatiza a transcendência divina e a insuficiência da linguagem humana. De acordo com essa perspectiva, qualquer tentativa de definir Deus limita Sua infinitude e, portanto, deve ser negada ou relativizada. Em vez de afirmar o que Deus é, a teologia apofática afirma o que Ele não é.

A tradição apofática é fortemente representada por autores como Gregório de Nissa, Basílio de Cesareia e, de modo especial, o influente Pseudo-Dionísio Areopagita, cuja obra Teologia Mística tornou-se referência fundamental para o misticismo cristão². Para esses teólogos, Deus habita em uma “treva luminosa”, inacessível aos sentidos e além de qualquer forma de categorização.

A teologia apofática desenvolve-se especialmente no âmbito da espiritualidade e mística oriental, onde o silêncio, a contemplação e a suspensão da linguagem desempenham papel central. Nessa perspectiva, reconhecer a inefabilidade de Deus não nega Sua revelação, mas protege o mistério que constitui a essência divina.

 Convergências e Complementaridades

Embora distintas, as duas vias não se excluem. Ambas emergem da mesma preocupação fundamental: falar de Deus com reverência, evitando extremos de racionalização ou misticismo absoluto. Por um lado, a teologia catafática impede que o discurso religioso seja dissolvido no silêncio. Por outro, a teologia apofática impede que o mistério de Deus seja reduzido a conceitos meramente racionais.

Teólogos contemporâneos, como Karl Rahner, Vladimir Lossky e Jürgen Moltmann, defendem que ambas as vias são necessárias para uma compreensão equilibrada da fé. Lossky, em particular, argumenta que a teologia ortodoxa integra as duas perspectivas, afirmando que “toda afirmação sobre Deus deve ser equilibrada por uma negação correspondente”³.

Assim, a teologia cristã madura reconhece que o Deus que se revela também se oculta; o Deus que se aproxima permanece transcendente; e o Deus que fala também convida ao silêncio.

 Considerações Finais

A teologia catafática e a apofática representam duas abordagens essenciais no discurso sobre Deus. A primeira, enfatizando afirmações positivas, destaca a proximidade e a acessibilidade da revelação; a segunda, ressaltando a negação e o mistério, sublinha a transcendência e grandeza divinas. Juntas, constituem um equilíbrio necessário para evitar tanto a idolatria conceitual quanto o agnosticismo religioso.

Compreender a complementaridade entre essas vias é fundamental para uma teologia que reconhece simultaneamente o Deus que se comunica e o Deus que está além de toda expressão humana. Em última análise, ambas as tradições ecoam a convicção bíblica de que Deus é ao mesmo tempo imenso e íntimo, transcendente e imanente, oculto e revelado.

Bibliografia

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
LOSSKY, Vladimir. Teologia Mística da Igreja do Oriente. São Paulo: Paulus, 2004.
PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. Teologia Mística. São Paulo: Paulinas, 1995.
RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé. São Paulo: Paulus, 1989.
TORRELL, Jean-Pierre. Iniciação a Tomás de Aquino. São Paulo: Loyola, 2012.

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1.     AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, I, q. 13, a. 5.

2.     PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA. Teologia Mística, cap. I.

3.     LOSSKY, Vladimir. Teologia Mística da Igreja do Oriente, p. 44.

 

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