“Eu os
batizo com água para arrependimento. Mas depois de mim vem alguém mais poderoso
do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele os
batizará com o Espírito Santo e com fogo. Em sua mão tem a pá, e limpará a sua
eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca
se apagará.”
(Mateus 3.11-12)
A
passagem é de grande densidade teológica e escatológica. João Batista contrasta
o seu batismo, que era apenas preparatório e simbólico, com o batismo do
Messias, que teria caráter definitivo, espiritual e purificador.
Algumas versões bíblicas traduzem a frase “limpará
a sua eira”. A Bíblia King James, ao retornar ao original grego, ressalta o uso
da pá de joeirar, instrumento de madeira utilizado para
lançar o cereal ao ar, permitindo que a palha, por ser mais leve, fosse levada
pelo vento, enquanto os grãos, mais pesados, permaneciam no solo. Esse ato
representa o discernimento divino entre os justos e os ímpios, como também
o cumprimento das profecias de Malaquias (Ml 3.1-6; 4.1) ¹.
Na mesma linha, o comentário da King James sobre
Lucas 3.16-17 explica que o “fogo” está associado:
- ao juízo divino (Lc
3.17; 12.49-53),
- ao Pentecostes (At
2.3),
- e às provações
purificadoras (1 Co 3.13).²
Assim, o trigo simboliza os fiéis, enquanto a palha
representa os impenitentes (Rt 1.22). O termo grego asbesto (ἄσβεστος)
descreve um fogo de intensidade inextinguível, imagem do juízo eterno. Muitos
judeus esperavam que apenas os gentios fossem condenados, mas João deixa claro
que o juízo abrange a todos os que rejeitam o arrependimento, inclusive Israel.
O simbolismo bíblico do fogo
A linguagem bíblica é repleta de figuras:
metáforas, símbolos, alegorias e tipos. O fogo ocupa lugar central entre essas imagens. No Antigo
Testamento, pode indicar:
- Presença de Deus (Êx 3.2; 13.21),
- Aprovação divina (2 Cr 7.1),
- Proteção (Zc 2.5),
- Purificação (Ml 3.3),
- Juízo (Lv 10.2).
O autor de Hebreus (12.29) recorda que “o nosso
Deus é fogo consumidor”, não no sentido panteísta, mas como imagem da santidade
que purifica e consome o pecado.
Enquanto o fogo do altar simboliza aceitação
divina do sacrifício (Lv 9.24), o fogo invocado por Elias (2 Rs 1.1-15)
manifesta o juízo sobre a rebelião.
No Novo Testamento, o fogo está diretamente ligado
ao Espírito Santo:
- João
anuncia: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3.11).
- Em
Apocalipse, o Espírito aparece como “sete tochas de fogo” (Ap 4.5).
- No
Pentecostes, línguas como de fogo repousam sobre os discípulos (At 2.3).
Assim, o
Espírito é o fogo que ilumina, aquece, purifica e fortalece
a vida do crente.
Testemunho dos teólogos e exegetas
Wayne Grudem explica que, sendo chamado “Espírito Santo”, uma de suas principais obras é
a purificação
do pecado e a santificação prática do crente.³ Esse processo é
ilustrado pelo fogo, que tanto purifica como separa o falso do genuíno.
O reformador João Calvino também comenta sobre
Mateus 3.11:
“O batismo de João era apenas um sinal exterior,
mas Cristo, por seu Espírito, renova de fato as consciências. O fogo aqui não
deve ser entendido como destruição, mas como aquilo que queima as impurezas,
para que reste o que é puro e santo.” ⁴
Já o teólogo Leon Morris acrescenta:
“O fogo pode significar tanto purificação quanto
julgamento. Os que recebem o Espírito com fé são purificados; os que O
rejeitam, experimentam o fogo do juízo.” ⁵
Dessa forma, vemos que o batismo com o Espírito Santo e
com fogo envolve tanto a experiência pentecostal de purificação e
capacitação quanto a dimensão escatológica do juízo divino.
Fraternalmente em
Cristo,
Josué de Asevedo Soares
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- Bíblia King James. AbbaPress, 2012, p. 1753.
- Bíblia King James. AbbaPress, 2012, p. 1911.
- GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática.
Vida Nova, 1999, p. 535.
- CALVINO, João. Comentário ao Evangelho
de Mateus. Vol. I. Ed. Fiel, 1996, p. 82.
- MORRIS, Leon. The Gospel According to
Matthew. Eerdmans, 1992, p. 67.
Gostei do artigo é esclarecedor.
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