Muitos
são os cristãos que creem que todos os seus atos justos não passam de
trapos imundos. Afinal, é o que Isaías 64.6 parece dizer: até mesmo
nossos melhores feitos são imundos e destituídos de valor. Mas não penso
ser isso que Isaías quis dizer. Os “atos de justiça” que Isaías tinha
em mente eram, muito provavelmente, os rituais superficiais oferecidos
por Israel, desprovidos de uma fé e de uma obediência sinceras. Em
Isaías 65.1-7, o Senhor rejeita os sacrifícios pecaminosos de Israel.
Eles são um insulto ao Senhor, fumaça para seu nariz, assim como a
“obediência” ritualista de Isaías 58 não impressionou ao Senhor porque
seu povo continuava oprimindo o pobre. Os “atos de justiça” eram “trapos
imundos” porque não eram nem um pouco justos. Tinham aparência boa, mas
não passavam de farsa, literalmente uma cortina de fumaça para
acobertar a incredulidade e a desobediência deles.
Por
isso, não deveríamos pensar que todo “ato de justiça” nosso é como
trapos imundos aos olhos de Deus. Aliás, no versículo anterior, Isaías
64.5, Isaías declara: “Vens ajudar aqueles que praticam a justiça com
alegria, que se lembram de ti e dos teus caminhos”. Não é impossível o
povo de Deus praticar atos de justiça que agradam a Deus. John Piper
explica:
“Às vezes as pessoas são descuidadas e falam de forma negligente sobre toda a justiça humana, como se não houvesse nada que agradasse a Deus. Muitas vezes elas citam Isaías 64.6 que diz que nossa justiça é como ‘trapo de imundícia’. É verdadeiro – gloriosamente verdadeiro – que ninguém do povo de Deus, antes ou depois da cruz, seria aceito pelo Deus imaculadamente santo se a justiça perfeita de Cristo não nos fosse imputada (Romanos 5.19; 1 Coríntios 1.30; 2 Coríntios 5.21). Mas isso não quer dizer que Deus não produza nessas pessoas ‘justificadas’ (antes e depois da cruz) uma justiça experiencial que não é ‘trapo de imundícia’. Ao contrário, ele o faz; e essa justiça é preciosa a Deus e é exigida, não como fundamento da justificação (que é a justiça de Cristo somente) mas como evidência de sermos filhos verdadeiramente justificados de Deus”.[1]
É
perigoso ignorar-se a suposição, e expectativa, da Bíblia, de que a
justiça é possível. É claro que nossa justiça jamais é capaz de aplacar a
ira de Deus. Precisamos da justiça imputada de Cristo para isso. Tem
mais: não temos como produzir justiça em nossa própria força. Mas como
crentes nascidos de novo, é possível agradarmos a Deus por meio de sua
graça. Os que geram fruto em cada boa obra e crescem no conhecimento de
Deus são totalmente agradáveis a Deus (Cl 1.10). Apresentar nosso corpo
como sacrifício vivo agrada a Deus (Rm 12.1). Cuidarmos de nosso irmão
mais fraco agrada a Deus (Rm 14.18). Obedecer nossos pais agrada a Deus
(Cl 3.20). Ensinar a Palavra de forma autêntica agrada a Deus (1 Ts
2.4). Orar por autoridades de governo agrada a Deus (1 Tm 2.1-3).
Sustentar familiares em necessidade agrada a Deus (1 Tm 5.4). Partilhar
recursos financeiros com outros agrada a Deus (Hb 13.16). Agrada a Deus
quando guardamos os seus mandamentos (1 João 3.22). Em linhas gerais,
sempre que você confia em Deus e o obedece, ele se agrada disso.[2]
Pensamos
ser marca de sensibilidade espiritual considerar tudo que fazemos como
moralmente suspeito. Mas essa não é a forma da Bíblia pensar acerca da
justiça. Ainda mais importante, tal tipo de resignação não retrata a
verdade acerca de Deus. A. W. Tozer está correto:
Um mundo de infelicidade sobrevém a bons cristãos até mesmo hoje, a partir de um falso entendimento de quem Deus é. Pensa-se na vida cristã como algo lúgubre, um carregar de cruz cuja monotonia não sofre solução de continuidade, sob os olhos de um Pai rígido que espera muito e nada desculpa. Ele é austero, rabugento, tremendamente temperamental e extremamente difícil de agradar.[3]
Mas
esta não é a forma de se enxergar o Deus da Bíblia. Nosso Deus não é um
capataz caprichoso. Não é hipersensível nem inclinado a ataques de
raiva por causa da menor ofensa. Ele é tardio em irar-se e cheio de amor
(Ex 34.6). “Ele não é difícil de agradar”, relembra-nos Tozer, “embora
possa ser difícil de satisfazer”. [4]
Por
que é que imaginamos um Deus tão indiferente diante de nossas sinceras
tentativas de obedecer? Ele é, afinal de contas nosso Pai celeste.
Que pai seria capaz de olhar para o cartão de aniversário feito pela
filha e reclamar porque não gostou das cores? Que mãe haveria de dizer
ao filho, depois deste limpar a garagem, mas colocar as latas de tinta
nas prateleiras errada: “Isso tudo nada vale aos meus olhos”? Que tipo
de pai ou mãe reage com impaciência diante do primeiro tombo do filho ao
aprender a andar de bicicleta? Não há justiça que nos torne retos
diante de Deus exceto pela justiça de Cristo. Mas para os que foram
feitos retos diante de Deus exclusivamente pela graça mediante a fé,
tendo, portanto, sido adotados na família de Deus, muitos de nossos atos
de justiça não só não são imundos aos olhos de Deus, eles são doces, preciosos e agradáveis a ele.
[1] John Piper, Graça Futura (São Paulo, SP: Shedd Publicações, 2009), pág. 148
[2] Veja Wayne Grudem, “Pleasing God by Our Obedience”, em For the Fame of God’s Name: Essays in Honor of John Piper, ed. Sam Storms and Justin Taykir (Wheaton, IL: Crossway, 2010), pág. 277.
[3] A. W. Tozer, The Best of A. W. Tozer, Volume 1 (Grand Rapids, MI: Baker, 1978), pág. 121.
[4] Ibid.
Trecho do livro A Brecha em Nossa Santidade de Kevin DeYoung, publicado pela Editora Fiel
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