sábado, 15 de novembro de 2025

Aonde você vai passar a sua eternidade?

                                                               


 Texto base: “E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo.” (Hb 9.27).

INTRODUÇÃO

Hebreus 9.27 nos confronta com duas certezas universais e irrevogáveis: a MORTE e o JUÍZO. Esta passagem não deixa espaço para indecisões, esquivas ou ilusões. Todos nós, sem exceção, enfrentaremos o fim desta vida. E segundo este versículo, haverá julgamento. Esta é a verdade que Deus deseja que cada ser humano reconheça.

O tema escolhido faz cada um de nós venha refletir sobre uma questão vital: aonde você vai passar a sua eternidade? Não é uma pergunta para depois, mas para agora. A eternidade é real e a Bíblia não faz concessões quanto ao seu destino.

O QUE É A ETERNIDADE?

Na Bíblia, eternidade não é apenas a ideia de “muito tempo” ou de uma existência sem fim. A eternidade é, acima de tudo, a forma de Deus existir. Ela descreve a realidade divina que está acima do tempo, mas que também age dentro da história humana para salvar, restaurar e conduzir todas as coisas ao Seu propósito.

1. Eternidade é o próprio modo de ser de Deus – Veja que a Bíblia afirma:

·        De eternidade a eternidade, Tu és Deus (Sl 90.2).

·        “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 1.8).

Isso significa que Deus não começou a existir e nunca deixará de existir. Ele não é limitado pela passagem do tempo, Ele o criou (Gn 1.1). Para Deus, passado, presente e futuro estão sempre abertos diante dEle.

 2. Eternidade, para nós, é relacionamento permanente com Deus - A Bíblia nunca fala da eternidade apenas como uma linha infinita; ela fala como um estado de vida:

·        Jesus disse: “E a vida eterna é esta: que Te conheçam a Ti” (Jo 17.3). Ou seja, eternidade não é só duração, mas qualidade de vida, a vida que nasce da comunhão com o Pai, por meio do Filho, no Espírito. É viver na presença de Deus agora e para sempre.

3. Eternidade é esperança, não medo. A eternidade, na Bíblia, não é uma ameaça, mas uma promessa amorosa para aqueles que estão em Cristo:

·        “Assim estaremos para sempre com o Senhor” (1Ts 4.17). É a certeza de que a morte não é o final, que nossas lágrimas têm limite (Ap 21.4), e que existe um futuro onde o mal não terá mais poder.

4. Eternidade começa no coração do crente aqui e agora

Quando a pessoa nasce de novo, ela não apenas recebe um destino eterno,  ela começa a experimentar vida eterna já no presente:

·        “Quem crê tem a vida eterna” (Jo 6.47). O Espírito Santo cria em nós essa consciência de que somos parte de algo maior que o tempo, maior que o sofrimento, maior que a própria morte.

 5. Uma definição pastoral sobre a eternidade - Eternidade é a realidade divina onde o amor de Deus não tem limites, o tempo não desgasta nada e a morte não tem voz. É o abraço permanente de Deus, começando agora e se consumando para sempre.

Frase importante: “A eternidade não é um lugar para se improvisar; é uma realidade para a qual devemos estar preparados.”

TRÊS VERSICULOS IMPORTANTE NESSA MENSAGEM:

1)   Amós 4.12 (ARC): “Portanto, assim te farei, ó Israel; e porque te farei isso, prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus.”

2)    Eclesiastes 12.14 (ARC): “Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.”

3)   Mateus 24.44 (ARC): “Por isso, estai vós apercebidos também; porque o Filho do homem há de vir à hora em que não penseis.”

 1)     VEJAMOS A PASSAGEM DE HEBEREUS 9.27 NO GREGO:

  Καὶ καθ’ ὅσον ἀπόκειται τοῖς ἀνθρώποις ἅπαξ ἀποθανεῖν, μετὰ δὲ τοῦτο κρίσις,  

               (Kai  kath' hoson apokeitai tois anthrōpois hápax apothanein meta de touto krisis)

Abaixo está a tradução literal e o significado de cada parte:

Καὶ (Kai): "E" ou "Assim também" (conectivo).

καθ’ ὅσον (kath' hoson): "assim como" ou "na medida em que".

ἀπόκειται (apokeitai): "está ordenado", "está reservado", "está determinado". É uma forma passiva, indicando que a ordem vem de uma autoridade superior (Deus).

τοῖς ἀνθρώποις (tois anthrōpois): "aos homens", "às pessoas", "à humanidade".

ἅπαξ (hapax): "uma só vez", "uma única vez". Esta palavra é crucial, pois enfatiza a singularidade do evento da morte física para cada indivíduo.

ἀποθανεῖν (apothanein): "morrer" (infinitivo aoristo). Refere-se ao ato da morte física.

μετὰ δὲ (meta de): "mas depois", "e depois disso".

τοῦτο (touto): "isto" (referindo-se à morte).

κρίσις (krisis): "juízo" ou "julgamento". Refere-se ao ato de ser julgado após a morte.

O texto enfatiza a finalidade e a irreversibilidade da morte como um evento único na existência humana, estabelecido por Deus, seguido imediatamente por um julgamento. Não há menção ou espaço no texto grego para conceitos como reencarnação ou segundas chances após a morte, que são refutados pelo uso enfático da palavra "ἅπαξ" (hapax - uma só vez). O contexto de Hebreus 9 compara a morte única dos homens ao sacrifício único e definitivo de Cristo pelos pecados, contrastando com os repetidos sacrifícios da antiga aliança.

 2) A MORTE É UMA CERTEZA PARA TODOS

Hebreus 9.27 começa afirmando uma realidade inescapável: “aos homens está ordenado morrerem uma só vez.”

·        Não importa idade, posição social, inteligência, riqueza ou obras.

·        Todos passam ou passarão pelo mesmo portão: a morte.

·        É a grande equalizadora (uniformizadora) da humanidade.

Exemplo bíblico: Lembre-se de Elias, que foi levado ao céu de forma milagrosa (2 Reis 2). Ele viveu com o destino eterno em mente, e sua vida demonstra que a consciência da eternidade muda nossas decisões diárias. Muitas pessoas vivem como se fossem imortais, adiando decisões espirituais importantes. Mas o texto é claro: não há segunda oportunidade na terra para ajustar a eternidade.

Frase importante: “Não é o que você acumula na vida que importa, mas o que você constrói para a eternidade.”

Ilustração prática: Imagine um relógio que nunca atrasa, nunca adianta, nunca para. Cada segundo de vida é precioso e irrecuperável.

John Calvino escreveu: “A morte não é somente um fim, mas o começo da eternidade que recompensa ou pune.”

3) O JUÍZO É INEVITÁVEL

O texto continua: “…vindo, depois disto, o juízo.”

·        Não é apenas a morte que é certa, mas também o juízo.

·        Não há neutralidade, limbo (lugar intermediário entre o céu e o inferno) ou esquecimento. Cada vida será revista.

·        A palavra “juízo” indica responsabilidade, avaliação e destino.

O juízo não é coletivo apenas; é pessoal. Cada indivíduo prestará contas de suas escolhas. Nada do que escondemos de Deus permanece oculto.

Exemplo bíblico: O rei Saul (1 Samuel 28) mostrou que fugir do juízo ou da responsabilidade não impede as consequências eternas.

Frase importante: “O juízo é certo. A questão é: você estará preparado ou desprevenido?”

Martinho Lutero afirmava que “a consciência do juízo final deve mover o homem à oração, arrependimento e fé diária.”

4) SOMENTE CRISTO PODE ALTERAR SEU DESTINO

Hebreus 9 não deixa apenas a advertência, mas aponta a solução: Cristo é o mediador que abriu a porta da eternidade para quem crê.

·        Jesus se ofereceu uma vez por todos, tornando possível o perdão dos pecados.

·        O julgamento é certo, mas a graça é maior do que qualquer pecado.

·        A única maneira de escapar da separação eterna é pela fé em Cristo.

Exemplo bíblico: O ladrão arrependido na cruz (Lucas 23:42-43) não teve tempo de obras longas; ele confiou em Cristo nos últimos momentos de vida e recebeu a promessa do paraíso.

Frase importante: “Não é o quanto você viveu que determina seu destino, mas em quem você confiou quando a vida terminou.”

C.S. Lewis dizia: “A questão não é ‘vamos todos para o céu?’, mas sim ‘você está preparado para ir?’”

5) EXISTEM APENAS DOIS DESTINOS

A Bíblia é clara: existem dois destinos eternos.

  1. Céu: comunhão eterna com Deus, vida plena, paz e alegria sem fim.
    • Apocalipse 21.3-4 fala de um lugar sem morte, dor ou lágrimas.
    • João 14.1-3 promete uma morada segura para quem crê em Cristo.
  2. Inferno: separação consciente e eterna de Deus.
    • Mateus 25.46 descreve a punição como eterna.
    • Apocalipse 20.10,15 confirma o lago de fogo como destino definitivo.

Não há terceira opção. Não há purgatório, zona cinzenta ou revisão futura.

Frase importante: “Na eternidade, não há ensaios; o que você escolher agora, será seu para sempre.”

6) APLICAÇÃO DA MENSAGEM - Se a morte e o juízo são inevitáveis, adiar a decisão espiritual é um risco que ninguém pode correr.

  • Estamos vivendo com a eternidade em mente?
  • Nossa fé em Cristo é genuína ou superficial?
  • O que fazemos hoje determina nosso destino eterno.

Pensamento de teólogo: John Stott dizia: “A fé que não transforma o presente, não garante o futuro eterno.” Assim como planejamos e economizamos para garantir segurança futura, precisamos “investir” na eternidade. Escolhas diárias em oração, amor e fé constroem nosso destino eterno.

Frase importante: “A eternidade começa agora; não adie decisões que só poderão ser feitas uma vez.”

7) A Promessa de Eternidade com Cristo: Exemplos Bíblicos e Fundamentação Teológica

A Escritura apresenta diversos exemplos e categorias de pessoas que se encaixam na promessa de passar a eternidade com Cristo, revelando a amplitude da graça divina e a centralidade da fé como meio de acesso à vida eterna.

7.1 O ladrão na cruz

O caso do ladrão arrependido (Lc 23.43) é talvez o exemplo mais direto e imediato da promessa de estar com Cristo após a morte. A resposta de Jesus — “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” — demonstra que a salvação não depende de obras ou ritos, mas da fé sincera e do arrependimento genuíno. Nesse episódio, Cristo assegura a comunhão imediata do crente com Ele após a morte.

7. 2. Enoque e Elias

Enoque e Elias são figuras únicas do Antigo Testamento, pois não experimentaram a morte física de modo comum. Enoque “andou com Deus e já não foi encontrado, porque Deus o arrebatou” (Gn 5.24; cf. Hb 11.5), e Elias foi levado ao céu em um redemoinho (2 Rs 2.11). Ambos são compreendidos como exemplos da vitória sobre a morte e antecipações da esperança escatológica dos salvos.

7.3. Abraão

Abraão, o “pai da fé”, é um modelo perene de justificação pela fé: “Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Rm 4.3). Jesus se refere ao “seio de Abraão” como um lugar de consolo e comunhão para os justos (Lc 16.22), apontando para a continuidade da vida após a morte e a bem-aventurança reservada aos que confiam nas promessas divinas.

7.4. Os apóstolos e discípulos de Jesus

Os apóstolos, como Pedro, João e Paulo, entregaram suas vidas ao serviço do Reino e foram consolados pela certeza da vida eterna. Paulo expressou o anseio de “partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23), testemunhando a confiança do crente na comunhão imediata com o Senhor após a morte física.

7.5. Todos os que creem em Cristo

A promessa de vida eterna é estendida a todos os que creem no Filho de Deus. Textos como João 3.16 e João 10.28 afirmam que “todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, e que os salvos “jamais perecerão, e ninguém os arrebatará da mão de Cristo”. A vida eterna é, portanto, um dom gratuito de Deus, assegurado pela fé e pela obra redentora de Jesus.

Esses exemplos revelam que a eternidade com Cristo não é privilégio de poucos, mas a herança de todos os que depositam sua fé e confiança nEle, independentemente da época em que viveram.

CONCLUSÃO

Chamamos você agora à reflexão: Em Hebreus 9.27 nos desafia a encarar a realidade: a morte e o juízo são certezas, e a eternidade é inevitável.

·        O convite de Deus é simples: arrependa-se, creia em Cristo, viva de acordo com Sua Palavra.

·        A decisão deve ser pessoal e consciente.

·        A graça de Deus é maravilhosa, mas exige resposta imediata.

Frase importante: “O destino não espera. A eternidade não tolera procrastinação. Hoje é a hora de decidir.”

Para aqueles que já crêem: fortaleçam a fé e vivam com a consciência do juízo e da graça.
Para aqueles que ainda não creram: a porta ainda está aberta. Hoje é o dia de escolher a vida eterna. Cristo pagou o preço para que você tenha acesso ao céu.

Assim, enfatizamos que Hebreus 9.27 não é apenas um texto para memorizar. É um chamado à ação. A morte e o juízo são certezas. A graça é a oportunidade. O destino é a decisão. Faça a escolha certa hoje. Viva com a eternidade em mente, e garanta que sua eternidade será passada com Deus.

                                             Fraternalmente em Cristo,

                                            JOSUÉ DE ASEVEDO SOARES

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

LIVRE-ARBÍTRIO, PREDESTINAÇÃO E LIVRE AGÊNCIA: UMA ANÁLISE TEOLÓGICA COMPARATIVA À LUZ DE AGOSTINHO, LUTERO, CALVINO, ARMÍNIO E WESLEY

 

                                               


                                                                          
Por Josué de Asevedo Soares

RESUMO

Este artigo examina as doutrinas do livre-arbítrio, predestinação e livre agência no desenvolvimento da teologia cristã, considerando suas implicações filosóficas, bíblicas e históricas. Analisa-se o pensamento de cinco figuras fundamentais: Agostinho de Hipona, Martinho Lutero, João Calvino, Jacó Armínio e John Wesley, destacando continuidades e rupturas na construção teológica da relação entre soberania divina e responsabilidade humana. Argumenta-se que as divergências entre esses pensadores representam não apenas diferenças de interpretação, mas modelos distintos de antropologia teológica e hermenêutica da graça. O estudo conclui que a tensão entre o governo soberano de Deus e a liberdade da criatura permanece constitutiva da fé cristã, exigindo uma abordagem equilibrada que respeite tanto a revelação bíblica quanto a complexidade da experiência humana.


Palavras-chave: Livre-arbítrio. Predestinação. Livre agência. Soteriologia. Teologia histórica.

ABSTRACT

This article examines the doctrines of free will, predestination, and free agency in the development of Christian theology, considering their philosophical, biblical, and historical implications. It analyzes the thought of five key figures: Augustine of Hippo, Martin Luther, John Calvin, Jacob Arminius, and John Wesley, highlighting continuities and ruptures in the theological construction of the relationship between divine sovereignty and human responsibility. It argues that the divergences among these thinkers represent not only differences in interpretation but also distinct models of theological anthropology and hermeneutics of grace. The study concludes that the tension between God's sovereign rule and the freedom of the creature remains constitutive of the Christian faith, requiring a balanced approach that respects both biblical revelation and the complexity of human experience.

Keywords: Free will. Predestination. Free agency. Soteriology. Historical theology.

INTRODUÇÃO

O debate entre livre-arbítrio, predestinação e livre agência atravessa toda a história da teologia cristã. Desde os primeiros séculos da Igreja até os movimentos reformados e metodistas, a pergunta sobre como o ser humano pode agir livremente em um universo regido pela soberania absoluta de Deus permanece central. Esta tensão se manifesta de forma especialmente intensa nas controvérsias entre agostinianos e pelagianos, entre reformadores e humanistas, e mais tarde entre calvinistas e arminianos.

Neste artigo expandido, pretende-se apresentar uma análise ampla dessa problemática, considerando não apenas o pensamento de cinco teólogos representativos, mas também o contexto histórico, filosófico e eclesiástico de cada período. O objetivo é construir uma visão panorâmica, crítica e comparativa, capaz de iluminar a complexidade e a profundidade da questão.

1. FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA: Soberania e liberdade na Escritura

Antes de analisar os teólogos, torna-se necessário abordar o fundamento bíblico das doutrinas em questão. A Bíblia apresenta tanto a afirmação da soberania absoluta de Deus quanto a responsabilidade moral humana.

1.1 Textos que enfatizam a soberania divina

·        Efésios 1.4–11 – “Nos predestinou [...] segundo o conselho da sua vontade.”

·        Romanos 8.29–30 – A cadeia “presciência–predestinação–chamado–justificação–glorificação.”

·        Daniel 4.35 – “Ele faz conforme a sua vontade [...] não há quem possa resistir à sua mão.”

·        Atos 13.48 – “Creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna.”

1.2 Textos que enfatizam a responsabilidade humana

·        Deuteronômio 30.19 – “Escolhe, pois, a vida.”

·        Josué 24.15 – “Escolhei hoje a quem sirvais.”

·        Mateus 23.37 – “Não quisestes.”

·        Apocalipse 22.17 – “Quem quiser, venha.”

A tensão bíblica entre soberania e liberdade tornou-se o campo de debate para os teólogos posteriores.

2. AGOSTINHO DE HIPONA: O MODELO DA GRAÇA EFICAZ

2.1 Contexto histórico: a controvérsia pelagiana

Agostinho entra no debate sobre a liberdade humana em confronto direto com Pelágio, que afirmava que o ser humano possui total capacidade de escolher o bem sem a ajuda da graça. Agostinho, ao contrário, sustentava que o pecado original corrompeu radicalmente a vontade¹.

2.2 A natureza da vontade após a Queda

Segundo Agostinho, a vontade humana permanece livre no sentido psicológico, mas é incapaz de escolher o bem salvífico sem o auxílio da graça. A liberdade plena só existe quando a alma é transformada pelo amor de Deus².

2.3 A predestinação como manifestação da graça

Agostinho afirma que Deus escolhe gratuitamente os que serão salvos, não com base em méritos previstos, mas por pura misericórdia. A predestinação não é apenas presciência, mas determinação da vontade divina³.

2.4 Livre agência agostiniana

A vontade humana age “livremente”, porém sob a influência irresistível da graça eficaz. Agostinho cria assim a base do que mais tarde será o determinismo teológico reformado.

 

3. LUTERO: A ESCRAVIDÃO DA VONTADE E A CENTRALIDADE DA GRAÇA

3.1 Lutero vs. Erasmo

A famosa obra De Servo Arbitrio (Da Escravidão da Vontade) surge como resposta à defesa humanista de Erasmo, que preservava algum grau de liberdade humana. Lutero, porém, entende que tal liberdade comprometeria a centralidade da graça⁴.

3.2 A vontade como “servo arbitrio”

Lutero sustenta que a vontade é escrava do pecado. O que o ser humano faz, faz voluntariamente, mas sua vontade está cativa. Assim, a liberdade só é real quando Deus a liberta por meio do Evangelho⁵.

3.3 Predestinação e consolo

Para Lutero, a predestinação não é especulativa, mas pastoral: ela garante que a salvação está segura nas mãos de Deus. A livre agência restaurada é fruto da ação do Espírito Santo.

4. CALVINO: PROVIDÊNCIA, DECRETOS E RESPONSABILIDADE HUMANA

4.1 O sistema teológico reformado

Calvino não foi o primeiro a defender a predestinação incondicional, mas foi quem melhor a sistematizou. Em suas Institutas, defende que Deus decretou eternamente todas as coisas⁶.

4.2 Predestinação dupla

Calvino reconhece que a eleição implica também a reprovação. Deus escolhe alguns para a vida e permite que outros permaneçam em sua própria perdição⁷.

4.3 Livre agência sob soberania

Calvino distingue livre-arbítrio de livre agência. O ser humano pode agir voluntariamente, mas não está livre para escolher Deus sem regeneração. Ainda assim, suas escolhas são reais e moralmente responsáveis⁸.

4.4 A compatibilidade entre soberania e responsabilidade

Aqui surge o que chamaríamos hoje de compatibilismo: Deus determina, mas o homem age conforme sua vontade. Essa síntese influencia toda a teologia reformada posterior.

5. ARMÍNIO: PREDESTINAÇÃO CONDICIONAL E GRAÇA PREVENIENTE

5.1 Revisão do sistema reformado

Armínio não rejeita a soberania de Deus, mas rejeita que esta anule a liberdade humana. Para ele, Deus decreta salvar “os que crerem”⁹.

5.2 A graça preveniente

Armínio sustenta que Deus concede graça a todos, capacitando-os a responder ao chamado. Assim, a responsabilidade humana é real e a salvação é cooperativa – embora dependente da graça¹⁰.

5.3 Livre-arbítrio capacitado

Armínio afirma que o livre-arbítrio, por si mesmo, está morto; porém, é restaurado pela graça que antecede a fé¹¹.

6. JOHN WESLEY: O ARMINIANISMO EVANGÉLICO E A LIBERDADE COOPERATIVA

6.1 Influência de Armínio e expansão metodista

Wesley amplia o pensamento arminiano, enfatizando a universalidade da graça preveniente.

6.2 Universalidade da graça

Ao contrário do calvinismo, Wesley afirma que Cristo morreu por todos, e que todos recebem graça suficiente para crer¹².

6.3 Livre agência

A liberdade humana é restaurada de modo que o indivíduo pode aceitar ou rejeitar a oferta de salvação. A predestinação, no sentido wesleyano, é apenas a presciência da fé.

6.4 Santificação e cooperação

Wesley também desenvolve uma visão de cooperação contínua entre graça e vontade humana na santificação.

7. CONTRASTES ENTRE OS TEÓLOGOS

Tabela expandida:

Teólogo

Estado da vontade

Natureza da predestinação

Papel da graça

Livre agência

Agostinho

Enfraquecida

Incondicional

Irresistível

Sim, após graça

Lutero

Escravizada

Soberana

Libertadora

Sim, após regeneração

Calvino

Escrava do pecado

Dupla/incondicional

Eficaz

Compatibilista

Armínio

Restaurada

Condicional

Preveniente

Cooperativa

Wesley

Restaurada universalmente

Condicional

Universal

Cooperativa e responsável


CONCLUSÃO

A análise demonstra que a tradição cristã nunca alcançou consenso pleno sobre a relação entre liberdade humana e soberania divina. O contraste entre Agostinho, Lutero e Calvino com Armínio e Wesley revela diferenças profundas de antropologia e soteriologia. Entretanto, todos afirmam:

  • Deus é soberano.
  • O ser humano é responsável.
  • A graça é essencial.

Essa tensão permanecerá como mistério teológico, estimulando reflexão contínua na teologia contemporânea.

_______________________________________________________________

1.     AGOSTINHO. De natura et gratia.  

2.     _____. Enchiridion.

3.     _____. De praedestinatione sanctorum.

4.     LUTERO, Martinho. De Servo Arbitrio.

5.     _____. Comentário de Gálatas.

6.     CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã.

7.     _____. Comentários ao Novo Testamento.

8.     BOETTNER, Loraine. A Predestinação.

9.     ARMÍNIO, Jacó. Works of Jacobus Arminius.

10.  WESLEY, John. Sermons on Several Occasions.

11.  OLSON, Roger. Arminian Theology.

12.  HORTON, Stanley. Teologia Sistemática Pentecosta