O verbo hebraico utilizado para registrar a
descendência legítima é yahhás, traduzido como "ser registrado
genealogicamente" (1 Cr 5.17), enquanto o substantivo correlato é yáhhas,
traduzido por "registro genealógico" (Ne 7.5). Já o termo grego genealogía
aparece em passagens do Novo Testamento, como 1 Timóteo 1.4 e Tito 3.9, sendo
utilizado para se referir a linhagens ou "genealogias" pessoais.
A genealogia, no contexto bíblico, possui um valor
significativo e um propósito claro, conforme ilustrado em passagens como
Gênesis 46.1-27, Êxodo 1.1-6, Números 1.1-46, 2.1-34 e 3.1-51, que descrevem
serviços relacionados ao Tabernáculo, mas também contêm listas de nomes. Além
disso, o livro de Esdras apresenta listas de pessoas que retornaram da
Babilônia com Esdras (capítulo 8) e de aqueles que se arrependeram, despedindo
suas esposas heteias (capítulo 10). Neemias 7 também faz referência ao retorno
dos exilados, com ênfase nos nomes daqueles que voltaram do cativeiro. No
entanto, esses registros não constituem genealogias propriamente ditas, mas sim
listas de nomes. Por outro lado, os primeiros capítulos de 1 Crônicas,
especialmente os capítulos 1 a 9, demandam especial atenção, uma vez que o
autor dedica uma porção substancial de seu texto à genealogia, representando
entre 25% e 30% do livro, o que, à luz de uma contagem real de palavras,
constitui um aspecto digno de reflexão profunda.
É relevante ressaltar que o ser humano possui um
desejo inato de conhecer seus ascendentes e manter vivo o nome de sua família.
Na antiguidade, diversas nações mantiveram registros genealógicos extensos,
particularmente de linhagens reais e sacerdotais. No entanto, para muitos
leitores contemporâneos, a genealogia parece ser um registro sem importância,
muitas vezes percebido como uma leitura tediosa e despropositada. Essa falta de
interesse pode ser atribuída à ausência de compreensão sobre o significado
desses registros ou à dificuldade em entender por que alguém mencionaria tantos
nomes. Todavia, não se pode acreditar que o cronista tenha se dedicado a esses
registros apenas para preencher o espaço. No mundo antigo, a identidade de uma
pessoa estava profundamente enraizada na família e, muitas vezes, em seu clã ou
tribo. A etnia e a origem familiar eram fundamentais para a identidade pública
e privada de um indivíduo naquela época. Assim, uma interpretação comum entre
os estudiosos é que o objetivo central do autor de Crônicas era reforçar a
ideia de unidade e fidelidade de Israel, um povo disperso e desacreditado
durante o período do cativeiro. Além disso, algumas genealogias buscavam
estabelecer laços de parentesco entre Israel e tribos vizinhas, enquanto outras
legitimavam a posição de indivíduos com autoridade.
As genealogias bíblicas, especialmente as presentes
em 1 Crônicas, refletem uma visão teleológica da história, isto é, uma visão
que vê a humanidade como movendo-se em direção a um propósito divino. Vale
lembrar que os nove primeiros capítulos de Crônicas cobrem a história de Adão
até o retorno dos exilados, funcionando como uma síntese de toda a história
sagrada anterior. Nesse sentido, as genealogias são mais do que registros de
antepassados; elas representam o "lugar" de uma pessoa, sua origem, e
definem quem pertence ou não àquela família. Dessa forma, as genealogias
desempenham um papel crucial na afirmação da importância de Israel e sua
unidade, reforçando a ideia de que o povo de Deus é um povo com uma história
contínua e uma promessa divina a ser cumprida.
A. R. Buckland, em seus escritos, destaca que
nenhuma nação, em qualquer outro período histórico, foi tão diligente em
conservar suas genealogias quanto o povo de Israel. Os estudiosos, ao
analisarem essas genealogias, frequentemente as dividem em duas formas
principais: a linear e a lateral. A genealogia linear foca em uma linhagem
única, rastreando a descendência de geração em geração, enquanto a lateral
examina várias linhagens paralelas, de "irmãos" ou grupos
simultâneos. Essa análise pode se concentrar em localizar descendentes ou, em
outros casos, antepassados. Portanto, os nomes frequentemente mencionados nas
genealogias não representam apenas indivíduos, mas também clãs, localidades ou
até mesmo cidades fundadas por esses grupos.
A inclusão das genealogias no contexto bíblico,
especialmente no livro de Crônicas, serve a diversos propósitos. Para os
exilados que retornavam, elas proporcionavam um elo com os antepassados e um
reconhecimento de seu papel histórico no plano de redenção. Essas listas
permitiam a recuperação e valorização das origens de forma consciente e
espiritual. Além disso, as genealogias também mostram como Deus, de maneira
soberana, preservou Seu povo no período pós-exílio. Por fim, a genealogia
facilitava o repovoamento das terras de acordo com as propriedades hereditárias
das famílias. Para alguns teólogos, o principal objetivo das genealogias era
planejar a origem dos descendentes de uma linhagem familiar, através da qual
Deus traria a salvação ao mundo.
No Novo Testamento, a genealogia de Jesus Cristo é
apresentada por Mateus, que inicia seu evangelho com a seguinte introdução:
"O livro da história, ou seja, génesis, de Jesus Cristo, filho de
Davi, filho de Abraão" (Mt 1.1). A palavra grega génesis significa
literalmente "descendência" ou "origem". Esse termo é
utilizado pela Septuaginta para traduzir o hebraico tohledhóth, que
possui o mesmo significado, denotando "história", como ocorre no
livro de Gênesis (2.4). Através dessa genealogia, Mateus conecta Jesus às figuras
fundamentais da história judaica: Abraão, o patriarca, e Davi, o rei prometido.
Assim, Mateus não apenas registra a genealogia de Cristo, mas também a utiliza
para unir a pessoa de Jesus à história de salvação já em curso, demonstrando
que Ele cumpre as promessas feitas a esses personagens-chave.
Portanto, a genealogia bíblica tem uma importância
fundamental na construção do relato sagrado. Ela não serve apenas como um
registro de ascendência, mas como um elo vital entre o passado e o futuro,
entre o plano divino e a história humana. Ao traçar as origens de Jesus, Mateus
não está apenas apresentando um simples histórico familiar, mas está afirmando
que a história de salvação de Deus se cumpre na pessoa de Cristo, ligando-o ao
povo de Israel e às promessas feitas a ele. A genealogia, portanto, é um
instrumento teológico que destaca a soberania de Deus e a continuidade de Sua
obra ao longo da história.
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- Yahhás e yáhhas são termos
hebraicos que se referem ao registro de descendências, sendo usados no
contexto da preservação da linhagem e da identidade ancestral do povo de
Israel.
- O livro de 1 Crônicas, em
especial os primeiros nove capítulos, tem um foco significativo em
genealogias, o que reflete o interesse do autor em preservar e afirmar a
continuidade da identidade israelita.
- A genealogia de Jesus em
Mateus não é meramente um registro histórico, mas uma afirmação teológica
que une a pessoa de Cristo ao cumprimento das promessas feitas a Abraão e
Davi.
Josué de Asevedo Soares.
Assunto muito importante!
ResponderExcluirTema interessante!
ResponderExcluirParabéns!
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