Introdução
A Escola Bíblica Dominical (EBD) tornou-se, no
pentecostalismo assembleiano brasileiro, a espinha dorsal do discipulado, da
formação teológica básica e da socialização da fé. Embora a EBD seja um
fenômeno protestante anterior ao próprio pentecostalismo (remontando a
experiências britânicas e norte-americanas do século XVIII e XIX), sua
implantação e difusão no Brasil acompanharam, de modo singular, o
desenvolvimento das Assembleias de Deus (AD), fundadas em Belém do Pará em
1911. A EBD funcionou como “currículo comum” para novas conversões e como
mecanismo de coesão doutrinária, especialmente em um movimento em rápida
expansão geográfica e social.1
Antecedentes: da EBD no Brasil ao ambiente
que acolheu a AD
No Brasil, experiências de escola dominical já
existiam antes de 1911. A literatura especializada registra iniciativas
metodistas ainda em 1836 no Rio de Janeiro, e, sobretudo, a ação do casal
escocês Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley, que, em Petrópolis (RJ),
organizaram aulas bíblicas dominicais com crianças a partir de 19 de agosto de
1855.2 Essas experiências criaram um ethos de educação religiosa
dominical que, mais tarde, seria apropriado e reconfigurado pelo
pentecostalismo nascente.3
A gênese da
Assembleia de Deus (1911–c.1930): Belém do Pará e a primeira Escola Dominical
Dois meses após a organização da Assembleia de
Deus em Belém (junho de 1911), registra-se a realização da primeira aula de
Escola Dominical assembleiana, em agosto de 1911, na casa do irmão José Batista
Carvalho, na Avenida São Jerônimo. A estrutura, já então segmentada por faixas
e sexo (homens, senhoras, meninos e meninas), revela a importação de um modelo
pedagógico protestante para a realidade amazônica. Entre os primeiros docentes
constam Samuel Nyström e Lina Nyström, além de outros colaboradores locais
(Capitolina Soares, Antônio Mendes Garcia, Manoel Maria Rodrigues, Amélia
Anglada, Plácido Aristóteles, presb. José Plácido da Costa, entre outros).4
Esse dado é precioso por evidenciar que, desde o nascedouro assembleiano, a EBD
não foi um adendo opcional, mas parte da estratégia missionária e catequética
do novo movimento.5
Consolidação
institucional (c.1930–1960): CGADB, CPAD e um “currículo comum”
A década de 1930 marca a crescente
institucionalização do trabalho assembleiano em escala nacional (com a
Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB) e o esforço para
padronizar conteúdos de ensino bíblico. Nesse processo, a criação e o
fortalecimento da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) foram
decisivos. As atas convencionais já registravam, em 1936, o “sonho” de uma casa
publicadora própria; a organização jurídica das atividades ocorreu em 13 de
março de 1940, no Rio de Janeiro.6 Desde então, a CPAD tornou-se a principal
provedora de material didático para a EBD, com revistas trimestrais (Lições
Bíblicas) para diferentes faixas etárias, o que permitiu homogeneidade
doutrinária e continuidade pedagógica mesmo em igrejas distantes.7 O
esforço editorial foi precedido pelo jornalismo denominacional (por exemplo, o
jornal Boa
Semente,
de 1919), que já articulava ensino e formação espiritual antes mesmo da
consolidação editorial posterior.8
Da
EBD à formação de obreiros: institutos bíblicos e EBOs
A expansão do movimento exigiu, paralelamente à
catequese dominical, a formação sistemática de obreiros e professores. Nesse
ambiente, surgiram os institutos bíblicos assembleianos. Um marco é o Instituto
Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD), fundado em 1958, em Pindamonhangaba
(SP), que se notabilizou pela preparação de missionários, evangelistas e
educadores cristãos.9 Além dos institutos, desenvolveram-se as
chamadas Escolas Bíblicas de Obreiros (EBOs), encontros intensivos regionais
que, ancorados em currículos doutrinários e pastorais, retroalimentavam a EBD
local com melhor preparo docente e atualizado.10
O currículo das Assembleia de Deus:
revistas, classes e método
O “coração” pedagógico da EBD assembleiana está
nas revistas trimestrais, que combinam comentário bíblico, objetivos de
aprendizagem, aplicações devocionais e indicações metodológicas ao professor.
Ao longo das décadas, a CPAD ofereceu séries para Adultos, Jovens,
Adolescentes, Juniores, Primários e Crianças, entre outras, fortalecendo a
cultura do ensino sequencial e cumulativo.11 A presença de
comentaristas nacionais, muitos deles pastores e docentes assembleianos, consolidou uma hermenêutica pentecostal com identidade própria, ao mesmo tempo
bíblica, devocional e missional. Na prática, a EBD tornou-se a “sala de aula”
dominical onde a membresia se alfabetiza biblicamente e aprende a viver a fé no
cotidiano.12
Mestres, doutrinadores e articuladores do
ensino na Assembleia de Deus
A história das escolas bíblicas nas AD é
inseparável de seus mestres. Entre os mais influentes, destacam-se:
2. 2. N. Lawrence Olson foi um
missionário pentecostal americano pioneiro nas Assembleias de Deus no Brasil,
conhecido por seu evangelismo radiofônico, tendo iniciado o programa "Voz
das Assembleias de Deus" em 1955 e fundado o Instituto Bíblico Pentecostal
(IBP). Serviu no Brasil de 1938 a 1989, contribuindo para a teologia, a
literatura religiosa e o crescimento do movimento pentecostal no país.
3.
Nels Julius Nelson, missionário
sueco, homem de Deus. Seu ministério foi decisivo para a propagação da fé
pentecostal no Brasil. A partir de 1921, foram 42 anos de trabalhos
missionários ininterruptos no norte, nordeste e sul do país.
4. Otton Nelson, Missionário sueco, evangelista, pastor,
antigo líder da Assembleia de Deus em Alagoas, Bahia e Rio de Janeiro, e
ex-presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.
5. Antônio Gilberto
(1929–2018),
pedagogo da EBD, autor do Manual do Professor de Escola Dominical e de
obras de teologia pastoral e educacional. Seu legado está em traduzir
princípios didáticos para a sala de aula local, formando gerações de professores.
13
6. Eurico Bergstén
(1917–1999), teólogo
sueco-brasileiro, autor de Teologia Sistemática (CPAD), referencial
para classes avançadas e para a formação de obreiros, oferecendo um arcabouço
doutrinário clássico em chave pentecostal.14
8. Elinaldo Renovato de Lima, economista e pastor, comentarista de
Lições Bíblicas na área de ética cristã, mordomia e vida devocional, ligando
Bíblia e contemporaneidade.16
9. Esequias Soares, hebraísta e biblista, comentarista de
Lições Bíblicas e autor de obras exegéticas, elevando o rigor bíblico nas aulas
da EBD.17
10.
José Gonçalves, pastor e escritor, comentarista e autor de obras sobre teologia
prática e apologética, contribuindo para o engajamento cultural da membresia.18
11. Raimundo Ferreira de
Oliveira, autor
assembleiano citado em manuais e compêndios doutrinários da CPAD, com ênfase na
sistematização teológica e na espiritualidade pentecostal.19
12. Emílio Conde (1901–1990),
jornalista, editor e historiador da AD, cuja obra histórica documenta fontes e
memórias do movimento, servindo de subsídio para as aulas de história da igreja
pentecostal no Brasil.20
13. Isael de Araújo, historiador e organizador do Dicionário
do Movimento Pentecostal (CPAD), fundamental para o professor que deseja
contextualizar temas e personagens no currículo da EBD.21
Funções da EBD no ecossistema das Assembleia
de Deus
Do ponto de vista eclesiológico, a EBD cumpre ao
menos quatro funções: (a) catequética, introduzindo novos convertidos ao conteúdo
essencial da fé; (b) hermenêutica, desenvolvendo uma leitura bíblica
pneumatológica e missionária; (c) comunitária, criando laços
intergeracionais na igreja local; e (d) formativa, alimentando vocações
ministeriais que seguem aos institutos e às EBOs. A literatura mostra que, por
meio da CPAD e de sua rede de comentaristas, as AD conseguiram manter um
“núcleo duro” doutrinário distribuído nacionalmente, assegurando unidade
teológica em meio à diversidade regional.23
Conclusão
A origem e o desenvolvimento das escolas bíblicas
nas Assembleias de Deus no Brasil resultam da convergência entre um modelo
pedagógico protestante pré-existente no país e a vocação missionária
pentecostal inaugurada em Belém (1911). Desde a primeira classe dominical
assembleiana (agosto de 1911), passando pela institucionalização editorial
(1936–1940) e pela criação de centros formais de formação (como o IBAD em
1958), a EBD tornou-se a “universidade do crente comum”, mantendo a identidade
bíblico-pentecostal e capacitando a membresia para o serviço cristão.24
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1.
Sobre a EBD como
instrumento histórico de discipulado e educação religiosa no protestantismo
brasileiro, ver Mendonça, A. G., Protestantismo e Cultura Brasileira
(2002); e Reily, D., História Documental do Protestantismo no Brasil
(2003). Ver também síntese em “Escola Bíblica Dominical no Brasil: origem,
expansão e legado”, Convenção Batista Brasileira.
2. A experiência metodista de 1836 (Rev. Justin
Spaulding) e a experiência dos Kalley (19/08/1855, Petrópolis) são discutidas
em: Alderi Souza de Matos, “A EBD e a evangelização” (artigo histórico); e
registros da Igreja Evangélica em Petrópolis sobre a chegada dos Kalley.
3. Sobre a trajetória dos Kalley no Brasil e a
implantação da EBD, cf. Seminário JMC, “A origem da Escola Dominical no Brasil
– Parte 2” (2023).
4. Primeira
EBD assembleiana (agosto/1911, Belém/PA):
“História”, portal escoladominical.com.br (com lista de primeiras classes e
professores).
5. A centralidade da EBD no nascente movimento
assembleiano está documentada também em memórias locais e registros
denominacionais.
6. CPAD: atas da CGADB (1936) mencionam o projeto; organização jurídica
em 13/03/1940 (Rio de Janeiro). Cf. página institucional da CPAD e verbete
enciclopédico.
7. Sobre a função das Lições Bíblicas
como instrumento de coesão doutrinária e padronização curricular, ver materiais
institucionais da CPAD e catálogos editoriais.
8. Jornal
Boa Semente (1919) como
precursor do esforço editorial assembleiano: ver Emílio Conde, História das
Assembleias de Deus no Brasil (documento digitalizado).
9. IBAD
(1958, Pindamonhangaba/SP): fontes
denominacionais e memorial institucional do ministério local registram sua
fundação e propósito missionário.
10. As EBOs (Escolas Bíblicas de Obreiros) são práticas
consagradas nos campos estaduais e regionais, com ementas doutrinárias e
pastorais que retroalimentam a EBD local.
11. Estrutura
etária e séries: ver
catálogos e páginas informativas da CPAD e portais de EBD que reúnem links para
as revistas trimestrais.
12. A EBD, ao articular objetivos cognitivos, afetivos e
práticos, se tornou sala de aula da membresia assembleiana – uma síntese
didático-devocional.
13. Antônio
Gilberto, Manual do
Professor de Escola Dominical; comentários em Lições Bíblicas (CPAD).
14. Eurico
Bergstén, Teologia
Sistemática (CPAD).
15. Claudionor
de Andrade, diversas
obras e comentários de Lições Bíblicas (CPAD).
16. Elinaldo
Renovato de Lima,
comentários de Lições Bíblicas e livros de mordomia/ética (CPAD).
17. Esequias
Soares, obras
exegéticas (hebraico/AT) e comentários em Lições Bíblicas (CPAD).
18. José
Gonçalves, títulos em
teologia prática/apologética e comentários (CPAD).
19. Raimundo
F. de Oliveira, compêndios
doutrinários (CPAD).
20. Emílio
Conde, História
das Assembleias de Deus no Brasil (CPAD), referência historiográfica
básica.
21. Isael de
Araújo, Dicionário
do Movimento Pentecostal (CPAD).
22. Myer
Pearlman, Conhecendo
as Doutrinas da Bíblia (edições CPAD), influência curricular em EBDs e
institutos bíblicos.
23. Síntese do papel da CPAD e das Lições Bíblicas na
coesão doutrinária: ver materiais institucionais e estudos históricos já
citados.
24. Linha do tempo: primeira EBD assembleiana (1911);
planejamento editorial (1936) e organização jurídica da CPAD (1940);
consolidação de institutos (IBAD, 1958).
Parabéns, mestre Josué de A Soares pelo artigo.
ResponderExcluirBenção de Deus professor.
ExcluirDeus seja louvado.
ResponderExcluirGostei da narrativa histórica, Parabéns!
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