sábado, 27 de setembro de 2025

O Reino dos Céus e o Reino de Deus

 


Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês. (Mc 6.33).

Por onde forem, preguem esta mensagem: O Reino dos céus está próximo. (Mt 10.7).



Introdução

As expressões “Reino dos Céus” e “Reino de Deus” aparecem com frequência nos Evangelhos, sendo centrais na pregação de Jesus. Embora muitos intérpretes as tratem como sinônimas, a investigação exegética e teológica aponta para nuances que ajudam a compreender a riqueza desse conceito. O presente estudo busca apresentar a origem, definição e implicações bíblico-teológicas dessas expressões, considerando a tradição da Igreja e o impacto pastoral para a vida cristã.

1. Origem e contexto bíblico

O Evangelho de Mateus utiliza quase exclusivamente o termo Reino dos Céus” (cerca de 32 vezes), enquanto Marcos, Lucas e João preferem Reino de Deus”. A diferença pode ser explicada pelo contexto judaico: os judeus do primeiro século, por reverência, evitavam pronunciar o nome divino, utilizando circunlóquios como “céus” em lugar de “Deus”¹. Assim, Mateus, escrevendo principalmente para judeus, adapta sua linguagem sem alterar o conteúdo.

2. Unidade conceitual das expressões

Apesar da distinção terminológica, não há diferença essencial entre “Reino dos Céus” e “Reino de Deus”. Ambas remetem ao governo soberano de Deus e à manifestação de Seu domínio na história. Como observa George Eldon Ladd, o Reino é ao mesmo tempo presente e futuro, um “já e ainda não”². Jesus inaugura o Reino em Seu ministério terreno (Mt 12.28), mas sua plenitude só será revelada na consumação escatológica (Mt 25.34).

3. Sentido teológico do Reino

O conceito de Reino é dinâmico e multifacetado:

  • Presente: já está entre nós, manifestando-se na obra redentora de Cristo (Lc 11.20).
  • Interior: não se reduz a um território, mas é realidade espiritual: “o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.21).
  • Escatológico: alcançará plenitude na nova criação (Ap 21.1-4).

Agostinho de Hipona identificou o Reino tanto com a Igreja peregrina no tempo quanto com a Jerusalém Celestial, realidade consumada em Deus³. Já Joachim Jeremias enfatizou o caráter escatológico, sublinhando que o anúncio de Jesus não se refere apenas a um futuro distante, mas à presença atual do Reino na vida dos fiéis⁴.

4. Implicações pastorais

A compreensão do Reino de Deus não é apenas acadêmica, mas prática e devocional. Os discípulos de Cristo são chamados a buscar primeiro o Reino (Mt 6.33), o que significa colocar a vontade de Deus acima dos interesses pessoais. O Reino não é conquistado por mérito humano, mas recebido como dom gratuito (Mc 10.15). Assim, viver sob o Reino é submeter-se ao senhorio de Cristo e refletir Seu caráter no mundo.

Assim, como já mencionado quando lemos “Reino dos Céus” em Mateus e “Reino de Deus” nos outros evangelhos, não devemos imaginar dois reinos diferentes. Trata-se do mesmo Reino: o senhorio de Deus manifestado em Jesus Cristo.

  • O Reino já está presente porque Jesus trouxe a graça, o perdão e a vida nova.
  • Mas o Reino ainda será plenamente revelado quando Cristo voltar e restaurar todas as coisas.
  • Hoje, somos chamados a viver como cidadãos desse Reino, buscando antes de tudo a vontade de Deus e confiando em Sua justiça.

Em outras palavras: o Reino não é apenas “um lugar para onde iremos”, mas uma realidade que já começou dentro de nós e se manifesta quando vivemos em obediência e amor ao Rei, Jesus.

5. O Reino de Deus e o Reino dos Céus na Teologia Pentecostal

No contexto pentecostal, tal tema recebe contornos próprios, marcados pela ênfase no batismo no Espírito Santo, nos dons carismáticos e na esperança escatológica. Este estudo busca analisar como os teólogos pentecostais compreendem a relação entre “Reino dos Céus” e “Reino de Deus”, suas dimensões presentes e futuras, bem como as implicações eclesiológicas e missionárias desta doutrina.

Na perspectiva pentecostal, o Reino de Deus já se manifesta no aqui e agora por meio da presença do Espírito Santo. A descida do Espírito no dia de Pentecostes (At 2.1-4) é compreendida como o início da era do Reino inaugurado por Cristo5

·        Myer Pearlman ensina que o Reino é “a esfera em que a vontade de Deus é reconhecida e obedecida”, sendo a Igreja a sua expressão visível6.

·        Stanley Horton destaca que os dons espirituais, as curas e as manifestações de poder são “sinais concretos de que o Reino chegou”7.

Assim, os pentecostais associam o Reino não apenas a uma realidade espiritual interna, mas também à experiência carismática que confirma a ação viva de Deus entre os fiéis.

Embora o Reino esteja presente, sua plenitude é entendida como futura e escatológica. Os pentecostais esperam a volta iminente de Cristo, evento que consumará o Reino de forma visível e universal (1 Ts 4.16-17).

Antônio Gilberto, um dos principais sistematizadores pentecostais no Brasil, afirma que “o Reino de Deus é o governo de Deus nos corações hoje, manifestado pelo Espírito, e plenamente revelado na vinda gloriosa de Cristo”8.


Essa ênfase escatológica alimenta a espiritualidade pentecostal marcada pela expectativa constante da parousia e pela urgência evangelizadora.

Outro aspecto relevante na teologia pentecostal é a compreensão do Reino em chave ética e missionária. Viver no Reino significa:

·        Praticar a santidade pessoal (Hb 12.14).

·        Ser testemunha de Cristo no poder do Espírito (At 1.8).

·        Participar ativamente da missão de Deus, proclamando o Evangelho em palavras e ações.

Desse modo, o Reino não é apenas uma esperança futura, mas uma realidade que transforma a vida do crente e o envia em missão.

Conclusão

“Reino dos Céus” e “Reino de Deus” são expressões equivalentes, usadas em contextos distintos, mas que apontam para a mesma realidade: o governo soberano de Deus inaugurado em Cristo e consumado na eternidade. A teologia cristã, desde os Pais da Igreja até a pesquisa contemporânea, reconhece que o Reino é presente, interior e escatológico, e a Igreja é chamada a viver essa realidade com esperança, fidelidade e compromisso missionário.

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  1. Ver D. A. Carson, Matthew (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 102.
  2. George Eldon Ladd, The Gospel of the Kingdom (Grand Rapids: Eerdmans, 1959), p. 19.
  3. Agostinho, A Cidade de Deus, Livro XIX.
  4. Joachim Jeremias, New Testament Theology (New York: Scribner, 1971), p. 98.
  5. Stanley M. Horton, O que a Bíblia diz sobre o Espírito Santo (Rio de Janeiro: CPAD, 1996), p. 127..   
  6. Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bíblia (Rio de Janeiro: CPAD, 2004), p. 237.

7.  Stanley M. Horton, Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal (Rio de Janeiro: CPAD, 1996), p. 421.

8.  Antônio Gilberto, Manual da Escola Dominical (Rio de Janeiro: CPAD, 1980), p. 215.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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