segunda-feira, 6 de outubro de 2025

AS SETENTA SEMANAS DE DANIEL E A INTERRUPÇÃO NA 69ª SEMANA


 Introdução

A profecia das setenta semanas, registrada em Daniel 9.24–27, constitui uma das passagens mais debatidas da escatologia bíblica. Ela descreve, de forma simbólica e profética, o programa de Deus para Israel e para o mundo, articulando o tempo do Messias e a consumação dos tempos. A interpretação dessa profecia divide escolas teológicas ao longo da história, especialmente quanto ao intervalo entre a 69ª e a 70ª semana. A tradição pentecostal dispensacionalista entende que há uma pausa profética entre a 69ª e a 70ª semana, correspondente ao tempo presente da Igreja. Já outras correntes, como o preterismo e o amilenismo, rejeitam essa interrupção, considerando as setenta semanas como um período contínuo e já plenamente cumprido.

2. Contexto e Estrutura da Profecia

Daniel recebeu esta revelação durante o exílio babilônico, ao orar pela restauração de Jerusalém (Dn 9.1–19). O anjo Gabriel esclarece que “setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade” (Dn 9.24). O termo hebraico shabu’im significa literalmente “setes” e é entendido, em contexto profético, como setes de anos, totalizando 490 anos. A profecia é dividida em três partes: sete semanas (49 anos) de restauração; sessenta e duas semanas (434 anos) até o Messias; e uma última semana (7 anos), marcada por alianças e tribulações escatológicas. Assim, a 69ª semana culmina com a morte do Messias (“será tirado o Ungido”, Dn 9.26). A partir desse ponto, segundo a hermenêutica pentecostal, inicia-se o mistério do tempo da Igreja (Ef 3.4–6).

3. A Pausa entre a 69ª e a 70ª Semana

A linha pentecostal, influenciada pelo dispensacionalismo de C. I. Scofield e popularizada por teólogos como Myer Pearlman e Stanley M. Horton, defende que a profecia foi interrompida após a morte de Cristo. A rejeição do Messias por Israel suspendeu o relógio profético, abrindo o tempo da graça. Quando a Igreja for arrebatada, o relógio voltará a correr, iniciando-se a 70ª semana — o período da Grande Tribulação. Segundo Antonio Gilberto, “as setenta semanas se relacionam com Israel, não com a Igreja; por isso, há uma pausa no cumprimento até que o plano divino com a Igreja se conclua”. Essa leitura é sustentada pela distinção entre Israel e a Igreja, característica da teologia pentecostal clássica. A interrupção, portanto, não representa falha na profecia, mas a revelação de um mistério divino — o tempo dos gentios (Lc 21.24).

4. As Interpretações Contrárias

4.1. A Interpretação Preterista

O preterismo entende que as setenta semanas se cumpriram totalmente no primeiro século, culminando na destruição de Jerusalém em 70 d.C. O “Ungido” cortado é Jesus, e o “príncipe que há de vir” é Tito, general romano. Assim, não haveria intervalo entre as semanas. Embora coerente historicamente, essa leitura ignora, segundo os pentecostais, a dimensão escatológica que aponta para a consumação dos tempos.

4.2. A Interpretação Amilenista

O amilenismo, defendido por Agostinho e Louis Berkhof, entende as setenta semanas como simbólicas e contínuas, representando a totalidade da obra redentora de Cristo. O amilenismo não reconhece separação entre Israel e a Igreja, vendo o povo de Deus como uma unidade espiritual. Os pentecostais, em contraponto, sustentam o caráter literal das profecias e distinguem entre as dispensações e povos (Israel e Igreja).

5. A Perspectiva Pentecostal Contemporânea

Autores pentecostais como Elienai Cabral e Eurico Bergstén reafirmam a leitura dispensacional. Elienai observa que a interrupção profética explica por que a Igreja não aparece no Antigo Testamento: ela é o parêntese no plano divino de Israel. Bergstén acrescenta que a 70ª semana trará o cumprimento literal da aliança rompida por Israel, culminando na vinda gloriosa do Messias para reinar. Essa visão mantém viva a esperança escatológica característica do pentecostalismo: a iminência do arrebatamento e o retorno de Cristo.

Conclusão

A pausa entre a 69ª e a 70ª semana de Daniel, segundo a hermenêutica pentecostal, é uma expressão do plano redentivo de Deus, que incluiu a Igreja sem anular as promessas de Israel. Enquanto o preterismo e o amilenismo veem o cumprimento completo no passado ou no plano espiritual, o pentecostalismo entende as setenta semanas como profecia progressiva, cujo desfecho se dará no futuro escatológico. Essa leitura reafirma a esperança bem-aventurada e o propósito soberano de Deus de restaurar todas as coisas em Cristo.

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Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

C. I. Scofield, A Bíblia de Referência Scofield. Chicago: Oxford University Press, 1917.

Stanley M. Horton, Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.

Antônio Gilberto, Manual da Escola Dominical. Rio de Janeiro: CPAD, 1980.

Eurico Bergstén, Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2005.

Elienai Cabral, Escatologia: Fatos e Profecias do Futuro. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

R. C. Sproul, The Last Days According to Jesus. Grand Rapids: Baker, 1998.

N. T. Wright, Jesus and the Victory of God. Minneapolis: Fortress Press, 1996.

Louis Berkhof, Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 1990.

Agostinho, A Cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.

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