Introdução
A profecia das setenta
semanas, registrada em Daniel 9.24–27, constitui uma das passagens mais
debatidas da escatologia bíblica. Ela descreve, de forma simbólica e profética,
o programa de Deus para Israel e para o mundo, articulando o tempo do Messias e
a consumação dos tempos. A interpretação dessa profecia divide escolas
teológicas ao longo da história, especialmente quanto ao intervalo entre a 69ª
e a 70ª semana. A tradição pentecostal dispensacionalista entende que há uma
pausa profética entre a 69ª e a 70ª semana, correspondente ao tempo presente da
Igreja. Já outras correntes, como o preterismo e o amilenismo, rejeitam essa
interrupção, considerando as setenta semanas como um período contínuo e já
plenamente cumprido.
2. Contexto e Estrutura da Profecia
Daniel recebeu esta
revelação durante o exílio babilônico, ao orar pela restauração de Jerusalém
(Dn 9.1–19). O anjo Gabriel esclarece que “setenta semanas estão determinadas
sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade” (Dn 9.24). O termo hebraico
shabu’im significa literalmente “setes” e é entendido, em contexto profético,
como setes de anos, totalizando 490 anos. A profecia é dividida em três partes:
sete semanas (49 anos) de restauração; sessenta e duas semanas (434 anos) até o
Messias; e uma última semana (7 anos), marcada por alianças e tribulações
escatológicas. Assim, a 69ª semana culmina com a morte do Messias (“será tirado
o Ungido”, Dn 9.26). A partir desse ponto, segundo a hermenêutica pentecostal,
inicia-se o mistério do tempo da Igreja (Ef 3.4–6).
3. A Pausa entre a 69ª e a 70ª Semana
A linha pentecostal,
influenciada pelo dispensacionalismo de C. I. Scofield e popularizada por
teólogos como Myer Pearlman e Stanley M. Horton, defende que a profecia foi
interrompida após a morte de Cristo. A rejeição do Messias por Israel suspendeu
o relógio profético, abrindo o tempo da graça. Quando a Igreja for arrebatada,
o relógio voltará a correr, iniciando-se a 70ª semana — o período da Grande
Tribulação. Segundo Antonio Gilberto, “as setenta semanas se relacionam com
Israel, não com a Igreja; por isso, há uma pausa no cumprimento até que o plano
divino com a Igreja se conclua”. Essa leitura é sustentada pela distinção entre
Israel e a Igreja, característica da teologia pentecostal clássica. A
interrupção, portanto, não representa falha na profecia, mas a revelação de um
mistério divino — o tempo dos gentios (Lc 21.24).
4. As Interpretações Contrárias
4.1. A Interpretação Preterista
O preterismo entende que
as setenta semanas se cumpriram totalmente no primeiro século, culminando na
destruição de Jerusalém em 70 d.C. O “Ungido” cortado é Jesus, e o “príncipe
que há de vir” é Tito, general romano. Assim, não haveria intervalo entre as
semanas. Embora coerente historicamente, essa leitura ignora, segundo os
pentecostais, a dimensão escatológica que aponta para a consumação dos tempos.
4.2. A Interpretação Amilenista
O amilenismo, defendido
por Agostinho e Louis Berkhof, entende as setenta semanas como simbólicas e
contínuas, representando a totalidade da obra redentora de Cristo. O amilenismo
não reconhece separação entre Israel e a Igreja, vendo o povo de Deus como uma
unidade espiritual. Os pentecostais, em contraponto, sustentam o caráter
literal das profecias e distinguem entre as dispensações e povos (Israel e
Igreja).
5. A Perspectiva Pentecostal Contemporânea
Autores pentecostais como
Elienai Cabral e Eurico Bergstén reafirmam a leitura dispensacional. Elienai
observa que a interrupção profética explica por que a Igreja não aparece no
Antigo Testamento: ela é o parêntese no plano divino de Israel. Bergstén
acrescenta que a 70ª semana trará o cumprimento literal da aliança rompida por
Israel, culminando na vinda gloriosa do Messias para reinar. Essa visão mantém
viva a esperança escatológica característica do pentecostalismo: a iminência do
arrebatamento e o retorno de Cristo.
Conclusão
A pausa entre a 69ª e a
70ª semana de Daniel, segundo a hermenêutica pentecostal, é uma expressão do
plano redentivo de Deus, que incluiu a Igreja sem anular as promessas de
Israel. Enquanto o preterismo e o amilenismo veem o cumprimento completo no
passado ou no plano espiritual, o pentecostalismo entende as setenta semanas
como profecia progressiva, cujo desfecho se dará no futuro escatológico. Essa
leitura reafirma a esperança bem-aventurada e o propósito soberano de Deus de
restaurar todas as coisas em Cristo.
___________________________________________________________________
Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. Rio
de Janeiro: CPAD, 1999.
C. I. Scofield, A Bíblia de Referência Scofield.
Chicago: Oxford University Press, 1917.
Stanley M. Horton, Teologia Sistemática: Uma
Perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
Antônio Gilberto, Manual da Escola Dominical. Rio de
Janeiro: CPAD, 1980.
Eurico Bergstén, Teologia Sistemática. Rio de Janeiro:
CPAD, 2005.
Elienai Cabral, Escatologia: Fatos e Profecias do
Futuro. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
R. C. Sproul, The Last Days According to Jesus. Grand
Rapids: Baker, 1998.
N. T. Wright, Jesus and the Victory of God.
Minneapolis: Fortress Press, 1996.
Louis Berkhof, Teologia Sistemática. São Paulo:
Cultura Cristã, 1990.
Agostinho, A Cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário