sábado, 8 de novembro de 2025

O VASO DE ALABASTRO: UMA EXPRESSÃO DE ADORAÇÃO E ENTREGA TOTAL

 



“E estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, e beijava-lhe os pés, e ungia-os com o unguento.”

(Lucas 7.38, ARA)

Introdução

A narrativa do vaso de alabastro, registrada em Lucas 7.36–50, é uma das mais profundas expressões de arrependimento, amor e adoração das Escrituras. A mulher, descrita como pecadora, oferece a Jesus um gesto de devoção total ao derramar sobre Ele um perfume caríssimo contido em um vaso de alabastro. Este episódio não é apenas simbólico; ele possui raízes históricas, culturais e arqueológicas que revelam a profundidade espiritual e social do ato.

1. O Significado do Alabastro na Antiguidade

O alabastro era uma pedra translúcida de grande valor, usada na Antiguidade para confeccionar vasos destinados a armazenar perfumes e unguentos preciosos. Arqueólogos encontraram recipientes de alabastro no Egito, Síria e Palestina, datados de períodos entre os séculos VIII e I a.C., geralmente associados a contextos de riqueza e rituais sagrados¹.

Segundo o arqueólogo William M. Ramsay, vasos desse tipo “eram frequentemente selados de modo permanente, sendo quebrados no momento do uso, o que simbolizava entrega total e irreversível”². Esse detalhe confere sentido teológico à atitude da mulher,  ao quebrar o vaso, ela não apenas derrama o perfume, mas oferece-se integralmente em adoração a Cristo.

2. Contexto Cultural e Valor Econômico do Perfume

O evangelista João esclarece que o perfume usado era nardo puro (nardos pistikēs), importado do Himalaia e vendido por cerca de 300 denários, o equivalente a quase um ano de salário de um trabalhador comum³. Esse detalhe destaca o caráter sacrificial do gesto: a mulher não oferece algo supérfluo, mas o que possuía de mais valioso.

Arqueólogos do Museu de Israel, em Jerusalém, identificaram vestígios de óleo perfumado em frascos de alabastro encontrados em sítios do primeiro século, confirmando a historicidade do uso desse tipo de unguento em rituais domésticos e funerários⁴.

3. Implicações Teológicas do Gesto

O ato da mulher foi visto por Jesus como uma manifestação de amor maior que as convenções religiosas. Enquanto o fariseu via o passado da mulher, Cristo via o coração arrependido. A teologia joanina e lucana convergem aqui na ênfase da graça sobre o mérito, onde a adoração brota do perdão recebido.

O teólogo Joachim Jeremias observa que “a unção de Jesus com perfume, especialmente em contexto de banquete, significava reconhecimento de sua dignidade real e messiânica”⁵. Assim, a mulher anônima antecipa profeticamente a unção do Rei Salvador, antes mesmo de sua morte e sepultamento (cf. Mt 26:12).

4. Achados Arqueológicos e Testemunhos Históricos

Escavações em Magdala (Galileia) e Betânia revelaram casas com unguentários e vasos de alabastro, indicando a prática comum de guardar perfumes para ocasiões especiais, como visitas de honra ou sepultamentos⁶.

O arqueólogo israelense Dan Bahat afirma que “a presença de alabastro na Galileia do século I confirma o comércio ativo de bens de luxo entre Roma e as cidades judaicas”⁷.

Essas descobertas reforçam a veracidade cultural da narrativa: uma mulher, mesmo de condição humilde, poderia possuir um vaso de alabastro como herança ou reserva de valor, o que torna seu ato ainda mais notável.

 

5. Aplicação Espiritual

O vaso quebrado é metáfora da vida rendida a Cristo. Assim como o perfume só exalava após a quebra, o verdadeiro aroma espiritual surge quando o coração é quebrantado diante de Deus (Sl 51:17). A mulher do vaso de alabastro nos ensina que o valor do culto não está no recipiente, mas na entrega.

Conclusão

O episódio do vaso de alabastro transcende a emoção devocional: é um testemunho histórico, cultural e teológico do amor que reconhece em Jesus o único digno de toda adoração. A arqueologia confirma a realidade dos objetos; a história ilumina o contexto; mas é a graça que dá sentido ao gesto.

No altar da adoração verdadeira, o coração quebrantado é o perfume mais precioso.

Por Josué de A. Soares

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¹ MEYER, Edward. Ancient History of the Near East. London: Macmillan, 1913, p. 214.
² RAMSAY, William M. The Cities and Bishoprics of Phrygia. Oxford: Clarendon Press, 1897, p. 309.

³ JOÃO 12:3-5.
⁴ ISRAEL MUSEUM. Perfumes and Unguents in the First Century Judea. Jerusalem, 2018, p. 52-54.

⁵ JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 125.

⁶ TAYLOR, Joan E. Archaeology and the Women of the Gospels. Oxford: OUP, 2020, p. 98.
⁷ BAHAT, Dan. Ancient Jerusalem Revealed. Jerusalem: Israel Exploration Society, 1994, p. 276.

 

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Bibliografia

BAHAT, Dan. Ancient Jerusalem Revealed. Jerusalem: Israel Exploration Society, 1994.
ISRAEL MUSEUM. Perfumes and Unguents in the First Century Judea. Jerusalem, 2018.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1984.
MEYER, Edward. Ancient History of the Near East. London: Macmillan, 1913.
RAMSAY, William M. The Cities and Bishoprics of Phrygia. Oxford: Clarendon Press, 1897.
TAYLOR, Joan E. Archaeology and the Women of the Gospels. Oxford: Oxford University Press, 2020.

 

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