(Lucas 7.38, ARA)
Introdução
A narrativa do vaso de alabastro, registrada em Lucas 7.36–50, é uma das mais
profundas expressões de arrependimento, amor e adoração das Escrituras. A
mulher, descrita como pecadora, oferece a Jesus um gesto de devoção total ao
derramar sobre Ele um perfume caríssimo contido em um vaso de alabastro. Este
episódio não é apenas simbólico; ele possui raízes históricas, culturais e arqueológicas que revelam a profundidade
espiritual e social do ato.
1. O Significado do Alabastro na Antiguidade
O alabastro
era uma pedra translúcida de grande valor, usada na Antiguidade para
confeccionar vasos destinados a armazenar perfumes e unguentos preciosos.
Arqueólogos encontraram recipientes de alabastro no Egito, Síria e Palestina, datados de períodos entre
os séculos VIII e I a.C., geralmente associados a contextos de riqueza e
rituais sagrados¹.
Segundo o arqueólogo William M. Ramsay, vasos desse tipo “eram frequentemente selados
de modo permanente, sendo quebrados no momento do uso, o que simbolizava
entrega total e irreversível”². Esse detalhe confere sentido teológico à
atitude da mulher, ao quebrar o vaso, ela não apenas derrama
o perfume, mas oferece-se integralmente
em adoração a Cristo.
2. Contexto Cultural e Valor Econômico do Perfume
O evangelista João esclarece que o perfume usado
era nardo puro (nardos
pistikēs), importado do Himalaia e vendido por cerca de 300 denários, o equivalente a quase um ano de salário de um trabalhador
comum³. Esse detalhe destaca o caráter sacrificial do gesto: a mulher
não oferece algo supérfluo, mas o que possuía de mais valioso.
Arqueólogos do Museu de Israel, em Jerusalém,
identificaram vestígios de óleo
perfumado em frascos de alabastro encontrados em sítios do primeiro
século, confirmando a historicidade do uso desse tipo de unguento em rituais
domésticos e funerários⁴.
3. Implicações Teológicas do Gesto
O ato da mulher foi visto por Jesus como uma manifestação de amor maior que as convenções
religiosas. Enquanto o fariseu via o passado da mulher, Cristo via o
coração arrependido. A teologia joanina e lucana convergem aqui na ênfase da graça sobre o mérito, onde a adoração
brota do perdão recebido.
O teólogo Joachim
Jeremias observa que “a unção de Jesus com perfume, especialmente em
contexto de banquete, significava reconhecimento de sua dignidade real e
messiânica”⁵. Assim, a mulher anônima antecipa profeticamente a unção do Rei Salvador, antes mesmo de sua morte
e sepultamento (cf. Mt 26:12).
4. Achados Arqueológicos e Testemunhos Históricos
Escavações
em Magdala (Galileia) e Betânia revelaram casas com unguentários e vasos de alabastro,
indicando a prática comum de guardar perfumes para ocasiões especiais, como
visitas de honra ou sepultamentos⁶.
O
arqueólogo israelense Dan Bahat
afirma que “a presença de alabastro na Galileia do século I confirma o comércio
ativo de bens de luxo entre Roma e as cidades judaicas”⁷.
Essas
descobertas reforçam a veracidade cultural da narrativa: uma mulher, mesmo de
condição humilde, poderia possuir um vaso de alabastro como herança ou reserva
de valor, o que torna seu ato ainda mais notável.
5. Aplicação Espiritual
O vaso quebrado é metáfora da vida rendida a Cristo. Assim como o
perfume só exalava após a quebra, o verdadeiro aroma espiritual surge quando o
coração é quebrantado diante de Deus (Sl 51:17). A mulher do vaso de alabastro
nos ensina que o valor do culto não
está no recipiente, mas na entrega.
Conclusão
O episódio do vaso de alabastro transcende a emoção
devocional: é um testemunho histórico, cultural e teológico do amor que
reconhece em Jesus o único digno de
toda adoração. A arqueologia confirma a realidade dos objetos; a
história ilumina o contexto; mas é a graça
que dá sentido ao gesto.
No altar da adoração verdadeira, o coração quebrantado é o perfume mais
precioso.
Por Josué de A. Soares
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¹ MEYER,
Edward. Ancient History of the Near East. London: Macmillan, 1913, p.
214.
² RAMSAY, William M. The Cities and Bishoprics of Phrygia. Oxford:
Clarendon Press, 1897, p. 309.
³ JOÃO
12:3-5.
⁴ ISRAEL MUSEUM. Perfumes and Unguents in the First Century Judea.
Jerusalem, 2018, p. 52-54.
⁵
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas,
1984, p. 125.
⁶ TAYLOR,
Joan E. Archaeology and the Women of the Gospels. Oxford: OUP, 2020, p.
98.
⁷ BAHAT, Dan. Ancient Jerusalem Revealed. Jerusalem: Israel Exploration
Society, 1994, p. 276.
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Bibliografia
BAHAT,
Dan. Ancient Jerusalem Revealed. Jerusalem: Israel Exploration Society,
1994.
ISRAEL MUSEUM. Perfumes and Unguents in the First Century Judea. Jerusalem,
2018.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no Tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas,
1984.
MEYER, Edward. Ancient History of the Near East. London: Macmillan,
1913.
RAMSAY, William M. The Cities and Bishoprics of Phrygia. Oxford:
Clarendon Press, 1897.
TAYLOR, Joan E. Archaeology and the Women of the Gospels. Oxford: Oxford
University Press, 2020.
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