Por: Josué de Asevedo Soares
Introdução
A vida cristã não está isenta de desafios. A
própria Escritura afirma que “por muitas tribulações nos importa entrar no
Reino de Deus” (At 14.22). Contudo, a Bíblia distingue termos importantes
relacionados ao sofrimento humano: provação,
tentação e tribulação. Embora relacionados, cada
um possui natureza, origem e finalidade distintas. Compreender tais diferenças
é vital para interpretar corretamente a ação de Deus e a responsabilidade
humana diante das adversidades.
1. Provação, Tentação e
Tribulação: Diferenças Fundamentais
1.1 Provação
A provação
tem como origem divina e
como objetivo aprovar, purificar
e fortalecer a fé do crente. Tiago afirma: “a prova da vossa
fé produz paciência” (Tg 1.3). Deus não prova para destruir, mas para
amadurecer.
- Para John Stott,
“Deus prova os seus filhos não para informá-lo de algo que Ele não saiba,
mas para revelar a eles próprios a autenticidade da sua fé”.¹
- Charles
Spurgeon
dizia: “A provação é o fogo que consome a escória, mas jamais o ouro”.²
A provação revela o caráter do crente e expõe o
quanto ele confia em Deus.
1.2 Tentação
A tentação
tem natureza distinta: ela é um convite
ao mal, ao qual Deus nunca
é autor (Tg 1.13). Ela pode vir:
- Da carne – nossos desejos
pecaminosos (Tg 1.14);
- Do mundo – o sistema contrário a
Deus (1 Jo 2.15–17);
- De Satanás – o tentador (Mt 4.3).
- Martinho
Lutero
descreve a tentação como “uma escola amarga, mas necessária”, afirmando
que o cristão cresce ao lutar contra ela.³
- Agostinho dizia: “A tentação revela
não apenas nossa fraqueza, mas nossa necessidade constante da graça”.⁴
Enquanto a provação
testa, a tentação seduz.
A tentação é sempre moral; visa levar ao pecado. A provação é sempre
pedagógica; visa ao crescimento.
1.3 Tribulação
A tribulação
refere-se ao sofrimento externo,
muitas vezes decorrente do mundo caído, da oposição humana ou de circunstâncias
diversas. Inclui aflições, angústias, perseguições e dores gerais.
- Segundo
João Calvino, “as tribulações são instrumentos mediante os quais
Deus exercita a paciência dos santos, moldando-os à imagem de Cristo”.⁵
- John
Wesley
entendia que tribulações são “meios de graça”, pois tornam o cristão mais
dependente do Espírito.⁶
As tribulações podem envolver enfermidades, crises
emocionais, perseguições ou qualquer sofrimento que pressiona a alma.
2. Exegese Bíblica de 2
Coríntios 1.8
“Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia;
pois fomos sobremaneira agravados, mais
do que podíamos suportar, de modo tal que até da
vida desesperamos.” (2 Co 1.8)
Paulo
descreve aqui uma experiência de tal intensidade que o levou ao limite
emocional e físico. Algumas observações:
2.1 A palavra “tribulação” (θλῖψις – thlípsis)
Significa pressão extrema, esmagamento,
sufocamento. A imagem é de algo que aperta e oprime até retirar o fôlego.
2.2 “Acima das nossas forças”
Paulo não está negando 1Co 10.13; aqui não se trata
de tentação ao pecado, mas de sofrimento circunstancial. Deus permite tribulações acima da capacidade
humana, mas nunca tentações
além do suportável.
2.3 O propósito
No contexto, Paulo explica: Deus permitiu isso para
que “não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos” (2 Co
1.9).
Calvino
comenta:
“Paulo não lamenta o sofrimento, mas louva a Deus
que o ensinou a não confiar em si mesmo.”⁷
Esta tribulação foi um instrumento de dependência e
maturidade, não um convite ao mal.
3. Exegese Bíblica de 1
Coríntios 10.13
“Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que
sejais tentados além do que podeis suportar…”
Aqui, o
tema é tentação ao pecado,
não tribulação ou provação.
3.1 A palavra “tentação” (πειρασμός – peirasmós)
No NT, pode significar tanto prova quanto tentação.
O contexto define.
Em 1Co 10.13 significa claramente tentação
para pecar.
3.2 Deus limita a tentação
O texto
afirma:
- Toda tentação é “humana”,
isto é, comum.
- Deus controla seu alcance.
- Deus sempre provê “escape”.
Agostinho
comenta:
“Deus permite a tentação, mas não abandona na
tentação; Ele oferece força e saída para que ninguém seja vencido por necessidade,
apenas por escolha.”⁸
Assim, Deus não
impede que sejamos tentados, mas impede que a tentação seja
irresistível.
4. Conclusão
A Bíblia
apresenta três realidades distintas na vida cristã:
- A provação vem de Deus e promove
crescimento.
- A tentação apela ao pecado e vem da
carne, do mundo ou do diabo.
- A tribulação é o sofrimento da vida e
muitas vezes nos leva além das forças.
2
Coríntios 1.8 mostra que Deus pode permitir tribulações além da nossa força,
para que confiemos nEle.
1 Coríntios 10.13 mostra que Deus nunca permite tentações além da força,
e sempre oferece escape.
A vida
cristã é marcada por provações que refinam, tentações que exigem vigilância e
tribulações que amadurecem. Em todas, porém, Deus é fiel e presente.
_____________________________________________________________________
- John Stott, A Mensagem de
Tiago, Página:
23–25 ABU
Editora. 2001.
- Charles H. Spurgeon, Sermões
Selecionados, Página:
57 .Ed. PES.1995.
- Martinho Lutero, Comentários
de Gálatas. Página: 112–113
Editora: Editora Sinodal. 2000 - Agostinho, Confissões.
Página:
241.
Editora:
Paulus. 1999.
- João Calvino, As Institutas,
III, 8. Pág: 684–686. Editora: Cultura Cristã. 2006
- John Wesley, Sermões,
edição da Igreja Metodista. Pág: 131. Editora:
Imprensa Metodista. 1984.
- João Calvino, Comentário
de 2 Coríntios. Pág: 28–29.Editora: FIEL. 2009.
- Agostinho, Enchiridion.
Pág: 121. Editora:
Paulus. 1995
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