“Mas todos nós somos
como imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia e todos nós
caímos como folha, e as nossas culpas, como um vento, nos arrebatam”. Isaias
64.6
Segundo a
tradição, a expressão "trapo de imundícia" tem a sua
origem na ação de um leproso em limpar suas feridas com um pedaço de
pano.
O leproso
era considerado imundo e vivia separado da comunidade e não havia ninguém
interessado em cuidar dele; E na sua dor, ele se valia de um pedaço de pano e
procedia a limpeza superficial de suas feridas que muitas vezes já estavam podres
e cheirando mal. Após vários procedimentos o pano ficava muito sujo e já não
mais prestava para a limpeza. O pedaço de pano se tornava em um "trapo
de imundícia".
Muitos são os cristãos que creem que todos os seus atos
justos não passam de trapos imundos. Afinal, é o que Isaías 64.6 parece dizer:
até mesmo nossos melhores feitos são imundos e destituídos de valor. Mas não
penso ser isso que Isaías quis dizer. Os “atos de justiça” que Isaías tinha em
mente eram, muito provavelmente, os rituais superficiais oferecidos por Israel,
desprovidos de uma fé e de uma obediência sinceras. Em Isaías 65.1-7, o Senhor
rejeita os sacrifícios pecaminosos de Israel. Eles são um insulto ao Senhor,
fumaça para seu nariz, assim como a “obediência” ritualista de Isaías 58 não
impressionou ao Senhor porque seu povo continuava oprimindo o pobre. Os “atos
de justiça” eram “trapos imundos” porque não eram nem um pouco justos. Tinham
aparência boa, mas não passavam de farsa, literalmente uma cortina de fumaça
para acobertar a incredulidade e a desobediência deles.
Por isso, não deveríamos pensar
que todo “ato de justiça” nosso é como trapos imundos aos olhos de Deus. Aliás,
no versículo anterior, Isaías 64.5, Isaías declara: “Vens ajudar aqueles que praticam a justiça com alegria, que se
lembram de ti e dos teus caminhos”. Não é impossível o povo de Deus
praticar atos de justiça que agradam a Deus. John Piper explica:
“Às vezes as pessoas são
descuidadas e falam de forma negligente sobre toda a justiça humana, como se
não houvesse nada que agradasse a Deus. Muitas vezes elas citam Isaías 64.6 que
diz que nossa justiça é como ‘trapo de imundícia’. É verdadeiro – gloriosamente
verdadeiro – que ninguém do povo de Deus, antes ou depois da cruz, seria aceito
pelo Deus imaculadamente santo se a justiça perfeita de Cristo não nos fosse
imputada (Romanos 5.19; 1 Coríntios 1.30; 2 Coríntios 5.21). Mas isso não quer
dizer que Deus não produza nessas pessoas ‘justificadas’ (antes e depois da
cruz) uma justiça experiencial que não é
‘trapo de imundícia’. Ao contrário, ele o faz; e essa justiça é preciosa a
Deus e é exigida, não comofundamento da
justificação (que é a justiça de Cristo somente) mas como evidência de sermos filhos
verdadeiramente justificados de Deus”.[1]
É perigoso ignorar-se a
suposição, e expectativa, da Bíblia, de que a justiça é possível. É claro que
nossa justiça jamais é capaz de aplacar a ira de Deus. Precisamos da justiça
imputada de Cristo para isso. Tem mais: não temos como produzir justiça em
nossa própria força. Mas como crentes nascidos de novo, é possível
agradarmos a Deus por meio de sua graça. Os que geram fruto em cada boa obra e
crescem no conhecimento de Deus são totalmente agradáveis a Deus (Cl 1.10).
Apresentar nosso corpo como sacrifício vivo agrada a Deus (Rm 12.1). Cuidarmos
de nosso irmão mais fraco agrada a Deus (Rm 14.18). Obedecer nossos pais agrada
a Deus (Cl 3.20). Ensinar a Palavra de forma autêntica agrada a Deus (1 Ts
2.4). Orar por autoridades de governo agrada a Deus (1 Tm 2.1-3). Sustentar
familiares em necessidade agrada a Deus (1 Tm 5.4). Partilhar recursos
financeiros com outros agrada a Deus (Hb 13.16). Agrada a Deus quando guardamos
os seus mandamentos (1 João 3.22). Em linhas gerais, sempre que você confia em
Deus e o obedece, ele se agrada disso.[2]
Pensamos ser marca de
sensibilidade espiritual considerar tudo que fazemos como moralmente suspeito.
Mas essa não é a forma da Bíblia pensar acerca da justiça. Ainda mais
importante, tal tipo de resignação não retrata a verdade acerca de Deus. A. W.
Tozer está correto:
Um mundo de infelicidade
sobrevém a bons cristãos até mesmo hoje, a partir de um falso entendimento de
quem Deus é. Pensa-se na vida cristã como algo lúgubre, um carregar de cruz
cuja monotonia não sofre solução de continuidade, sob os olhos de um Pai rígido
que espera muito e nada desculpa. Ele é austero, rabugento, tremendamente
temperamental e extremamente difícil de agradar.[3]
Mas esta não é a forma de se
enxergar o Deus da Bíblia. Nosso Deus não é um capataz caprichoso. Não é
hipersensível nem inclinado a ataques de raiva por causa da menor ofensa. Ele é
tardio em irar-se e cheio de amor (Ex 34.6). “Ele não é difícil de agradar”,
relembra-nos Tozer, “embora possa ser difícil de satisfazer”. [4]
Por que é que imaginamos um Deus
tão indiferente diante de nossas sinceras tentativas de obedecer? Ele é, afinal
de contas nosso Pai celeste.
Que pai seria capaz de olhar para o cartão de aniversário feito pela filha e
reclamar porque não gostou das cores? Que mãe haveria de dizer ao filho, depois
deste limpar a garagem, mas colocar as latas de tinta nas prateleiras errada:
“Isso tudo nada vale aos meus olhos”? Que tipo de pai ou mãe reage com
impaciência diante do primeiro tombo do filho ao aprender a andar de bicicleta?
Não há justiça que nos torne retos diante de Deus exceto pela justiça de
Cristo. Mas para os que foram feitos retos diante de Deus exclusivamente pela
graça mediante a fé, tendo, portanto, sido adotados na família de Deus, muitos
de nossos atos de justiça não só não são
imundos aos olhos de Deus, eles são doces, preciosos e agradáveis a ele.
[1]
John Piper, Graça Futura (São
Paulo, SP: Shedd Publicações, 2009), pág. 148
[2]
Veja Wayne Grudem, “Pleasing God by Our Obedience”, em For the Fame of God’s Name: Essays in Honor of
John Piper, ed. Sam Storms and Justin Taykir (Wheaton, IL: Crossway,
2010), pág. 277.
[3]
A. W. Tozer, The Best of A. W. Tozer,
Volume 1 (Grand Rapids, MI: Baker, 1978), pág. 121.
[4] Ibid.
FONTE: Voltemos a Evangelho. 16.01.2020
Gostei muito do artigo.
ResponderExcluirParabéns professor Josué achei esclarecedor!
ResponderExcluirProfessor vou compartilhar este artigo. Deus abençoe!
ResponderExcluirInteressante este artigo.
ResponderExcluir