Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a
expressão “gerado, não criado” (genitum, non factum), presente no Credo
Niceno-Constantinopolitano, à luz da doutrina da Trindade e da coexistência
eterna do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por meio de uma abordagem
patrística, são consideradas as contribuições teológicas de Atanásio, Agostinho
e Basílio de Cesareia, que, em resposta às controvérsias arianas, esclareceram
a distinção entre “geração” e “criação” dentro da unidade essencial de Deus.
Introdução
"Niceno"
é um termo que pode se referir a algo relativo ou a um habitante da antiga
cidade de Niceia, na Ásia Menor (atual Turquia). Também é usado no contexto
religioso para descrever o Credo Niceno (ou Credo Niceno-Constantinopolitano).
A formulação
“gerado, não criado” constitui um dos pontos mais altos da teologia cristã
clássica. Surgida no contexto das controvérsias trinitárias do século IV, essa
expressão foi cuidadosamente cunhada no Concílio de Niceia (325
d.C.) para refutar o arianismo,
que afirmava que o Filho de Deus fora criado do nada e, portanto, não seria
plenamente divino. A Igreja respondeu com vigor afirmando que o Filho é gerado do Pai, antes de todos os séculos, e que essa geração não implica início temporal, mas uma relação
eterna dentro da
própria divindade.
Geração e
Criação: Distinção Ontológica
A diferença entre
“gerado” e “criado” é fundamental. Gerar
implica uma comunicação de essência;
o que é gerado é da mesma natureza
daquele que o gera. Já criar
significa trazer algo à existência do nada, ou
seja, algo ontologicamente distinto
do Criador. Nesse sentido, o Credo afirma que o Filho é “gerado, não criado”
porque Ele é Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, consubstancial
ao Pai (homoousios tô Patri),
e não uma criatura.
Atanásio de Alexandria, o principal
defensor da fé nicena, expressou com clareza essa distinção ao afirmar que “o
Filho não é uma criatura, mas o Verbo próprio e natural do Pai, gerado de sua
substância”¹. Essa geração é, portanto, eterna e imaterial, uma comunicação contínua e inseparável de vida
e glória dentro da Trindade.
A Geração
Eterna do Filho e a Unidade da Trindade
A ideia de geração eterna preserva
a distinção das pessoas e, ao mesmo tempo, mantém a unidade da essência divina.
Agostinho de Hipona, em sua obra De Trinitate, explica que “o Pai gera o Filho, e não o Filho
a si mesmo; contudo, o que é gerado é da mesma substância do que gera”². O
mistério dessa relação é que ela não se dá no tempo, mas
na eternidade, sem anterioridade ou
posterioridade.
O Filho é eternamente gerado,
assim como o Pai é eternamente Pai. Dessa forma, a paternidade e a filiação são
realidades eternas dentro da vida divina. O Espírito
Santo, por sua vez, é apresentado nas Escrituras como aquele
que procede do Pai (e, segundo a
tradição ocidental, “e do Filho”), completando a perfeita comunhão trinitária.
Basílio
de Cesareia e a Processão do Espírito Santo
Enquanto o debate
niceno se concentrou especialmente na relação entre o Pai e o Filho, Basílio de Cesareia contribuiu de modo notável ao
esclarecer a divindade e processão do Espírito Santo. Em Sobre
o Espírito Santo, Basílio afirma que “o Espírito é inseparável do Filho,
assim como o Filho é inseparável do Pai”³. Essa comunhão demonstra que a
Trindade não é composta de três deuses, mas de três
hipóstases que compartilham a
mesma
essência divina.
Para Basílio, a expressão “gerado, não criado”
reflete o equilíbrio entre unidade de essência e distinção
pessoal. O Filho é
gerado do Pai, o Espírito procede, e o Pai é a fonte não gerada. Assim, as
relações trinitárias são eternas e mutuamente implicadas, sem hierarquia de
natureza ou tempo.
Considerações
A afirmação “gerado e não criado” é, em última análise, uma defesa da eternidade e divindade do Filho, e,
consequentemente, da plena coexistência trinitária. Essa expressão sintetiza a fé cristã na
unidade de essência e na distinção de pessoas dentro do Deus triúno.
Em tempos em que surgem novas formas de subordinação teológica, o
Credo Niceno permanece como um marco de ortodoxia e equilíbrio doutrinário,
lembrando à Igreja que “o Filho é gerado eternamente do Pai, Luz de Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro”.
A geração eterna
do Filho, a paternidade do Pai e a processão do Espírito Santo são, portanto, modos distintos de ser do único Deus revelado nas
Escrituras e confessado pela Igreja desde os primeiros séculos.
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- ATANÁSIO, Contra os
arianos, I, 20. In: SCHÖKEL, L. A.; NICOLAU, M. (orgs.). Patrística
– Textos Antigos da Tradição Cristã. São Paulo: Paulus, 2012, p. 147.
- AGOSTINHO. De Trinitate,
V, 15. In: AGOSTINHO. A Trindade. Trad. Maria L. dos Santos. São
Paulo: Paulus, 2010, p. 215.
- BASÍLIO DE CESAREIA. Sobre
o Espírito Santo, XVIII, 47. Trad. D. Luís D. Amaral. Lisboa: Edições
Paulinas, 2011, p. 132.
Josué de Asevedo Soares
Gerado e não criado. Interessante!
ResponderExcluirBoa reflexão!
ResponderExcluirOs artigos são bem escrito, parabéns!
ResponderExcluirFácil entendimento. Deus abençoe!!
ResponderExcluirDeus seja louvado!
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