A história do cânon do Novo Testamento foi bem
diferente do Velho Testamento. Pois, no NT não havia uma entidade, nem
comunidade profética que colecionassem ou
organizasse os livros inspirados. Desde o começo a Igreja sempre foi uma
comunidade internacional, então não havia como ter um único lugar de coleção
destes livros considerados sagrados.
Os escritos sagrados eram copiados e colecionados
nas diversas comunidades espalhadas. Por isso o processo para canonização dos
escritos do Novo testamento levou muitos séculos. Mas, após haver o consenso
sobre os 27 livros canônicos do NT e reconhecimento que realmente foram inspirados
não houve mais tentativas de inserir ou eliminar livros do cânon formado e
aceito pela Igreja.
Os estímulos para que se
organizassem oficialmente os livros
Três fatores contribuíram para que se
providenciasse o reconhecimento oficial dos livros do Novo Testamento: fator
eclesiástico, fator teológico e o fator político.
O estímulo eclesiástico à lista dos canônicos
- A necessidade de saber quais livros deveria ser lida em seus cultos, conforme a prática recomendada pelos apóstolos (1 Ts 5.27).
- A necessidade de saber quais livros deveria ser traduzida para as línguas estrangeiras dos convertidos.
- A combinação destas forças exerceu pressão nos pais da igreja para que houvesse o reconhecimento dos livros inspirados.
O estímulo teológico à lista dos canônicos
Visto que toda escritura é útil para a doutrina (2
Tm 3.16-17), tornou-se necessário definir os limites do que era a escritura,
qual era o legado doutrinário dos apóstolos. Por causa da multiplicação dos
livros heréticos que reivindicavam autoridade divina (cânon de Marcião), foi de
extrema urgência e importância definir quais livros seria aplicado para o
ensino da doutrina dos apóstolos. O ônus da decisão recaiu sobre os primeiros
pais da igreja, para que definissem com precisão os limites do cânon sagrado.
O estímulo político à lista dos canônicos
As duas forças anteriores culminaram na pressão
política sobre a Igreja para que se definissem os livros que eram realmente
inspirados. Houve também a perseguição aos cristãos e a ordem para queimar
quaisquer escritos dos mesmos. Então era necessário definir quais livros
deveriam ser preservados e escondidos desta perseguição. Portanto, a perseguição
motivou um exame sério da questão dos livros canônicos.
A compilação e o
reconhecimento progressivo dos livros canônicos
Há fortes evidências de que os livros do Novo
testamento foram colecionados e preservados, e sem dúvida alguma foram copiados
e distribuídos pelas igrejas existentes na época.
Evidências neotestamentárias de um cânon crescente
O Novo testamento foi escrito na segunda metade do
século I. A maior parte dos livros foi escrita para alguma igreja em particular
(a maior parte das cartas de Paulo) e outras foram redigidas para pessoas em
particular (Filemon, 2 e 3 João). Outros livros tinham o objetivo de atingir
regiões inteiras: Ásia Oriental (1 Pedro), Ásia Ocidental (Apocalipse) e até
mesmo Europa (Romanos). Algumas dessas cartas tiveram origem em várias regiões
distintas: Jerusalém (Tiago); Roma, nos confins do Ocidente (1 Pedro). Desta
forma é compreensível que a Igreja não tivesse todos os livros à sua disposição
de imediato. Junte-se a isso a dificuldade com transporte e comunicação, e
veremos que seria preciso algum tempo até que houvesse a coleção completa
destes livros e a consequente canonização dos mesmos. Porém, apesar destas
dificuldades a Igreja começou de imediato a coleção de todos estes escritos
apostólicos.
A seleção dos livros fidedignos
Desde o início da era cristã houveram vários
escritos falsos, ou não condizentes com os verdadeiros fatos sobre a vida de
Cristo. Compreendemos isso lendo os primeiros versos do livro de Lucas (Lc 1.1-4).
Paulo advertiu os tessalonicenses sobre falsas cartas atribuídas a ele (2 Ts 2.20).
Paulo sempre assinava suas cartas de modo particular (2 Ts 3.17).
O apóstolo João nos afirma que existiram muitas
outras coisas que Jesus fez que não estavam escritos nos evangelhos (Jo 20.30;
Jo 21.25). Desta maneira começaram a surgir muitas crendices sobre a vida de
Jesus. Enquanto as testemunhas oculares da morte e ressurreição de Jesus ainda
estivessem vivas, tudo poderia passar pela autoridade oral dos apóstolos (1 Ts
2.13; 1 Co 11.2). Há quem acredite que estas tradições orais dos apóstolos
originou o kerigma
(proclamação) que funcionava como um cânon dentro do cânon. Quer o kerigma
fosse o critério, ou não, fica claro que a igreja apostólica também tinha que
ser seletiva e apurar os fatos sobre a vida e ensinos de Jesus. João, em seu
evangelho, destrói uma heresia que se havia se tornado comum naquele tempo: que
ele jamais morreria (Jo 21.23-24). Ele também escreveu outra advertência
dizendo para não crer em qualquer espírito que diga ser vindo de Deus (1 Jo 4.1).
Diante disso concluímos que na igreja primitiva já
havia um processo de seleção canônica em operação. Quaisquer palavras, fossem
orais ou escritas, eram submetidas ao ensino apostólico. Se tal palavra não
pudesse ser comprovada pelas testemunhas oculares (Lc 1.2; At 1.21-22), era
rejeitada. Os apóstolos eram o tribunal pelo qual os ensinos eram testados e
confrontados (1 Jo 1.3; 2 Pe 1.16). O próprio Deus deu testemunho aos apóstolos
(Hb 2.3-4).
A leitura de livros autorizados
Outra evidência do processo de canonização do Novo
Testamento era a leitura pública das cartas que os apóstolos enviavam às
igrejas. Paulo ordena aos tessalonicenses que sua carta seja lida a todos (1 Ts
5.27). Paulo faz o mesmo com os colossenses (Cl 4.16). Na realidade este era um
costume antigo da comunidade judaica, a leitura das escrituras publicamente.
- Moisés e Josué o praticaram (Ex. 24.7; Js 8.34)
- Josias pediu para que se lesse a Bíblia em seus dias (2 Rs 23.2)
- Esdras o reinstituiu (Ne 8.8)
Isto indica que as cartas apostólicas tinham por
objetivo serem lidas em várias comunidades, e não apenas no lugar para o qual
eram destinadas. À medida que iam recebendo e lendo também colecionando estes
escritos. Mais tarde este costume teria importância vital para a canonização do
Novo Testamento.
A circulação e a compilação dos livros
No início da Igreja nenhuma comunidade cristã tinha
a coleção completa dos escritos apostólicos, mas a coleção foi crescendo à
medida que as igrejas iam recebendo as cartas e fazendo cópias autenticadas
pela assinatura dos apóstolos ou seus emissários. Conforme foram crescendo as
igrejas cristãs, novas cópias eram necessárias para que fossem lidas e
estudadas nestas novas comunidades.
Conforme vemos em Colossenses já havia o costume da
circulação das cartas.
O apóstolo João foi orientado a escrever seu ultimo
livro, o Apocalipse, e envia-lo às sete igrejas pela Ásia Menor (Atual
Turquia). Ou seja, teria de haver a circulação deste livro entre estas igrejas
(Ap 1.11).
Outros livros seguem o mesmo padrão. Tiago havia
escrito às doze tribos da Dispersão (Tg 1.1). Pedro também escreveu a várias
comunidades distintas (1 Pe 1.1).
Todas essas cartas-circulares revelam o início do
processo de canonização. As cartas eram obviamente primeiro endereçada à Igreja
para qual era destinada, mas depois essas igrejas deveriam fazer cópias e
enviar a outras comunidades.
E não deveriam ser apenas lidas uma vez, mas Paulo
orienta a leitura continuada destas cartas (1 Tm 4.11-13).
Existe evidência no Novo Testamento desta coleção
crescente dos escritos. Basta analisarmos o texto de 2 Pe 3.15-16. Pedro
possuía um conjunto dos escritos de Paulo, que colocava ao lado “das outras
escrituras”. Ora, se as cartas foram endereçadas às igrejas específicas o que
levou Pedro a ter uma cópia destas cartas de Paulo? Isto demonstra que
realmente havia coleções dos escritos dos apóstolos sendo feitas.
Desta forma, notamos que desde o início da Igreja a
formação do cânon do Novo Testamento estava em pleno andamento.
No final do século I, todos os escritos apostólicos
já haviam sido recebidos pelas igrejas.
Porém, pelo fato da dificuldade de locomoção e
comunicação, demorou-se alguns séculos até que todos estes escritos fossem
reunidos e formalmente agrupados num único livro. Além da seleção dos falsos
escritos que também circulavam entre a comunidade neo testamentária, o que
levou a um acréscimo do tempo necessário para o reconhecimento dos escritos
inspirados.
A confirmação da
compilação oficial dos livros canônicos
O testemunho dos pais da Igreja sobre o cânon
Logo após a primeira geração de cristãos, todos os
livros do Novo Testamento já haviam sido citados nas obras dos primeiros pais
da Igreja. Esta geração havia convivido com os apóstolos diretamente. Devemos
ter o cuidado de não achar que, por um determinado pai da Igreja não ter citado
algum livro do Novo Testamento, este não seja dotado de autoridade divina,
afinal isto não é um pré-requisito de sua canonicidade. Basta fazer um
exercício consigo mesmo: qual foi a última vez que você mencionou o livro de
Filemom? O mesmo princípio se aplica aos pais da Igreja. O importante a ser
destacado é que todos os livros do Novo Testamento, já no segundo século, haviam
sido citados por todos os pais da Igreja na época.
O testemunho das listas primitivas e das traduções
do cânon
Outras confirmações sobre o cânon do Novo
Testamento estão claras em algumas traduções mais antigas e listas canônicas
entre os séculos II e IV. Não poderia haver uma lista, ou uma tradução, sem
antes reconhecer-se serem estes livros dotados de autoridade divina.
Antiga
tradução Siríaca (Síria) – Uma antiga tradução circulou na Síria no fim do
século IV. Continha todos os livros do Novo Testamento exceto: 2 Pedro, 2 e 3
João, Judas e Apocalipse. Isto é explicado pelo fato dos livros omitidos serem
dirigidos a igrejas no Ocidente, a igreja siríaca ficava no Oriente. A
distância e falta de comunicação atrasaram o processo de reconhecimentos destes
livros por parte da Igreja Oriental. Esta versão da Bíblia foi editada antes
desta confirmação ser aceita por todos.
Antiga
Latina – O Novo
Testamento já havia sido traduzido para o latim antes do ano 200. Continha
todos os livros do Novo Testamento exceto: Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro. A
omissão a estes livros são o oposto da tradução siríaca. Estas cartas haviam
sido escritas a princípio para as igrejas orientais, então devido aos mesmos
problemas relatados anteriormente, demorou até que as igrejas no Ocidente
tivessem o reconhecimento destes livros.
Cânon
Muratório (170 d.C.) – Além do cânon herético de Marcião, a lista
canônica mais antiga se encontra no fragmento muratório. É idêntico à Antiga
Latina, excluindo-se Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro. Porém os estudiosos acreditam
que houve uma falha nos manuscritos, pois Hebreus e 1 Pedro estavam ausentes,
ao passo que livros menos frequentes como Filemom e 3 João estavam incluídos.
Códice
barocócio (206 d.C.) – Outro testemunho do cânon primitivo vem de um
códice intitulado “Os sessenta livros”. Esta obra continha 64 dos 66 livros da
Bíblia atual, exceto Ester no Velho Testamento e Apocalipse no Novo Testamento.
A canonicidade de Apocalipse está bem atestada em outras obras, entre elas o
Códice Muratório. Teve também o apoio de Justino Mártir, Ireneu, Clemente de
Alexandria e Tertuliano.
Eusébio
de Cesaréia (c. 340 d.C) – A situação do Novo Testamento no século IV já
estava bem definida. Em sua obra “História Eclesiástica” ele mencionou como
totalmente aceitáveis os livros do Novo Testamento, exceto: Tiago, Judas, 2
Pedro e 2 e 3 João, pois este livros eram questionados por alguns ainda. Havia
também o Apocalipse que ele próprio rejeitava. Desta forma, todos os livros do
Novo Testamento, exceto Apocalipse tinham o reconhecimento da autoridade
divina.
Atanásio
de Alexandria (c. 373) – Nos cinqüenta anos seguintes a Eusébio, Atanásio
relaciona todos os 27 livros do Novo Testamento como canônicos. Mais tarde, na
geração seguinte, tanto Jerônimo quanto Agostinho teria confirmado a mesma
lista de livros canônicos, de modo que os mesmos permaneceram no cânon do Novo
Testamento (Da Doutrina Cristã).
Concílios
de Hipo (393) e Cartago (397) – Os testemunhos de apoio não se
limitaram apenas a indivíduos. Estes dois concílios também reforçaram o apoio
ao reconhecimento da autoridade divina aos 27 livros do Novo Testamento.
Então, desde o século V a Igreja tem aceito esses
27 livros como canônicos do Novo Testamento.
Em síntese: o processo de organização dos escritos apostólicos confiáveis
iniciou-se nos tempos do NT. No século II houve exame desses escritos mediante
a citação da autoridade divina de cada um desses 27 livros do NT. No século III,
as dúvidas e as objeções a respeito de determinados livros prosseguiram,
culminando nas decisões dos pais da igreja e dos concílios influentes do século
IV. A partir de então, ao longo dos séculos, a igreja vem sustentando a canonicidade
desses 27 livros.
Bibliografia.
GEISLER, NIX. Norman
& William. Introdução Bíblia. Como a Bíblia chegou até nós. Editora Vida.
3ªimpressão. 2000. São Paulo.
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