Introdução
A criação do ser humano
como homem e mulher revela a imagem de Deus em (1) relações interpessoais
harmoniosas, (2) igualdade em termos de pessoalidade e de importância e (3)
diferença de papéis e autoridade.
A. Relacionamentos pessoais
Deus não criou os seres
humanos como pessoas isoladas, mas, aos nos fazer à sua imagem, criou-nos de
forma tal que podemos alcançar unidade interpessoal de várias formas em todos
os modos de sociedade humana. A unidade interpessoal pode ser especialmente
profunda na família, e também na nossa família espiritual, a igreja. Entre o
homem e a mulher, nesta era atual, a unidade interpessoal atinge a sua
expressão mais plena no casamento, em que marido e mulher se tornam, em certo
sentido, duas pessoas em uma: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua
mulher, tornando-se os dois uma só carne” (Gn 2.24).
B. Igualdade em termos de pessoalidade e importância.
Assim como os membros
da Trindade são iguais na sua importância e na sua plena existência como
pessoas distintas, também homens e mulheres foram criados por Deus iguais na
sua importância e na sua pessoalidade. Quando Deus criou o homem, os criou
“homem e mulher” à sua imagem (Gn 1.27; 5.1-2). O homem e a mulher foram feitos
igualmente à imagem de Deus, e tanto
homens como mulheres refletem o caráter divino. Isso significa que devemos
enxergar os aspectos do caráter de Deus uns nos outros.
C. Diferenças de papéis.
1. A relação entre a Trindade e a liderança masculina no casamento.
Entre os membros da
Trindade sempre houve igualdade de importância, pessoalidade e divindade por toda a eternidade.
Mas sempre houve também diferenças de papéis entre os membros da Trindade. Deus
Pai sempre foi o Pai, e sempre se relacionou com o Filho como um Pai se
relaciona com seu Filho. Embora os três membros da Trindade sejam iguais em
poder e em todos os outros atributos, o Pai tem a autoridade mais elevada. Ele
exerce um papel de liderança entre os membros da Trindade, papel esse que nem o
Filho nem o Espírito Santo têm.
2. Indicações de papéis distintos antes da queda.
Mas será que essas distinções entre os papéis masculinos e
femininos faziam parte da criação original de Deus, ou será que foram
introduzidas como parte do castigo da queda? Será que foi quando Deus disse a
Eva: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16), que ela passou a estar sujeita à
autoridade de Adão?
Examinando
a narrativa da criação em Gênesis, percebemos várias indicações de diferenças de papéis entre Adão e Eva mesmo antes do surgimento do pecado no
mundo.
a. Adão
foi criado primeiro, depois Eva. O fato de ter Deus criado primeiro Adão, e
só depois de certo tempo, Eva (Gn 2.7, 18-23), sugere que Deus tinha Adão como
líder dentro da família. Não se menciona procedimento desse tipo, em duas
etapas, na criação de nenhum dos animais, mas aqui parece haver um propósito
especial. A criação primeiro de Adão é compatível com o padrão da
“primogenitura” no Antigo Testamento, a idéia de que o primogênito de cada
geração de uma família humana detém a liderança dentro da família naquela
geração.
b. Eva
foi criada como auxiliadora de Adão. As Escrituras especificam que Deus fez
Eva para Adão, não Adão para Eva. Disse Deus: “Não é bom que o homem esteja só;
far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja
idônea” (Gn 2.18). Paulo dá a esse versículo tanta importância que nele
baseia a exigência de diferenças entre homens e mulheres no culto. Diz ele:
“Também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem” (1Co 11.9). Não se deve supor aqui
uma sugestão de importância menor, mas sim que existe uma diferença de papéis
desde o princípio.
c. Adão
deu nome a Eva. O fato de ter Adão dado nomes a todos os animais (Gn
2.19-20) indica a autoridade de Adão sobre o reino animal, pois no pensamento
do Antigo Testamento o direito de dar nome a alguém implicava autoridade sobre
essa pessoa (isso se percebe tanto quando Deus dá nomes a pessoas como Abraão e
Sara como quando os pais dão nomes aos seus filhos). Como o nome hebraico
designava o caráter ou a função da pessoa, Adão especificava as características
ou as funções dos animais ao atribuir-lhes nomes.
d. Deus
chamou “homem” a raça humana, e não “mulher”. O fato de ter Deus denominado
“homem” a raça humana, e não “mulher” ou algum termo neutro em relação ao
gênero, já foi explicado no capítulo 21. Gênesis 5.2 especifica que “no dia em
que foram criados” Deus “os chamou pelo
nome de homem” (ibb). A
denominação da raça humana com um termo que também se referia a Adão em
particular, ou ao homem em distinção da mulher, sugere o papel de liderança do
homem.
e. A
serpente aproximou-se primeiro de Eva. Satanás, depois de ter pecado,
tentava distorcer e minar tudo o que Deus havia planejado e criado bom. É
provável que Satanás (na forma de uma serpente), ao aproximar-se primeiro de
Eva, tentasse instituir um papel inverso ao incitar Eva a tomar a liderança na
desobediência a Deus (Gn 3.1).
f. Deus
falou primeiro a Adão depois da queda. Assim como Deus falou a Adão quando
este estava só antes da criação de Eva (Gn 2.15-17), também, depois da queda,
ainda que Eva tivesse pecado primeiro, Deus primeiro
foi ter com Adão e pediu a ele
explicações sobre os seus atos: “E chamou o Senhor
Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás?” (Gn 3.9). Deus tinha Adão como
líder da família, aquele que primeiro deveria ser convocado a explicar o que
acontecera na família.
g. Adão,
não Eva, representava a raça humana. Ainda que Eva tenha pecado primeiro
(Gn 3.6), somos tidos como pecadores por causa do pecado de Adão, e não por
causa do pecado de Eva. Diz-nos o Novo Testamento: “Em Adão todos morrem” (1Co 15.22; cf. v. 49) e “Pela ofensa de um só [homem], morreram muitos” (Rm
5.15; cf. v. 12-21). Isso indica que Deus dera a Adão a chefia ou liderança da
raça humana, papel que não foi dado a Eva.
h. A
maldição inseriu uma distorção nos papéis anteriores, sem no entanto introduzir
novos papéis. Nos castigos que Deus impôs a Adão e Eva, não introduziu, ele,
novos papéis ou funções, mas simplesmente a dor e a distorção nas funções já
previamente estabelecidas. Assim, Adão ainda teria a responsabilidade primária
de arar o solo e cultivar as lavouras, mas o solo produziria “cardos e
abrolhos” e no suor do seu rosto ele comeria o seu pão (Gn 3.18, 19). Do mesmo
modo, Eva ainda teria a responsabilidade de gerar filhos, mas isso se tornaria
doloroso: “Em meio de dores darás à luz filhos” (Gn 3.16).
i. A
redenção de Cristo reafirma a ordem da criação. Se está correta a
argumentação precedente sobre introdução da distorção dos papéis na queda,
então seria de esperar que encontrássemos no Novo Testamento a reversão dos
aspectos dolorosos do relacionamento resultante do pecado e da maldição. Seria
de esperar que em Cristo, a redenção incentivasse as esposas a não se rebelar
contra a autoridade do marido e estimulasse também os maridos a não impor a
autoridade com aspereza. De fato, é exatamente isso que encontramos: “Esposas, sede submissas ao próprio marido, como
convém no Senhor. Maridos, amai vossa
esposa e não a trateis com amargura” (Cl 3.18-19; cf. Ef 5.22-33; Tt 2.5;
1Pe 3.1-7).
3. Efésios 5.21-33 e a questão da submissão mútua. Lemos em Efésios 5:
As mulheres sejam
submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da
mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do
corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres
sejam em tudo submissas ao seu marido (Ef 5.22-24).
Embora
na superfície isso pareça confirmar aquilo que argumentamos acima a respeito da
ordem da criação para o casamento, nos últimos anos tem havido algum debate
acerca do significado da expressão “ser submisso a” (gr. nessa passagem. Algumas pessoas a interpretam
como “ser solícito e atencioso; agir com amor [um para com o outro]”. Entendido
assim, o texto não prega que a esposa tem a singular responsabilidade de ser submissa à autoridade do marido,
pois tanto marido quanto esposa precisam ser atenciosos e amorosos um para com
o outro, e segundo essa opinião não se tem nessa passagem submissão à
autoridade.
D. Nota sobre a aplicação no casamento
Se nossa análise está
correta, então há algumas aplicações práticas, especialmente dentro do
casamento, e também nos relacionamentos entre homens e mulheres em geral.
Quando os maridos
passam a agir de modo egoísta, áspero, dominador, ou mesmo violento e cruel,
devem se dar conta de que isso é resultado do pecado, resultado da queda e,
portanto, destrutivo e contrário aos desígnios de Deus para eles. Agir assim
gera grande destruição na vida, especialmente no casamento.
Fraternalmente em Cristo.
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