A. O uso da palavra homem como referência à raça humana.
Antes de discutir o
assunto mesmo deste capítulo, é preciso ponderar brevemente se é correto usar a
palavra homem para referir-se a toda
a raça humana (como no título deste capítulo). Algumas pessoas hoje contestam
veementemente o uso da palavra “homem” para representar a raça humana em geral
(incluindo homens e mulheres), pois alegam que tal costume desrespeita as mulheres.
Os que fazem essa objeção preferem que, para nos referir à raça humana, usemos exclusivamente termos “neutros” como
“humanidade”, “seres humanos” ou “pessoas”.
B. Por que o homem foi criado?
1. Deus não precisava criar o homem, mas nos criou para a sua própria glória.
Deus
nos criou para a sua própria glória.
Na análise da
independência divina, observamos que Deus se refere aos seus filhos e filhas
das extremidades da terra como aqueles “que criei para minha glória” (Is 43.7; cf. Ef 1.11-12). Portanto, devemos
fazer “tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31).
Esse
fato garante a relevância da nossa vida. Percebendo que Deus não precisava nos
criar, e que não precisa de nós para nada, poderíamos concluir que nossa vida
não tem a menor importância. Mas as Escrituras nos dizem que fomos criados para
glorificar a Deus, indicando que somos importantes para o próprio Deus.
2. Qual o nosso propósito na vida?
O fato
de Deus nos ter criado para a sua própria glória determina a resposta correta à
pergunta: “Qual o nosso propósito na vida?” Nosso propósito deve ser cumprir a
meta para que Deus nos criou: glorificá-lo. Quando falamos com respeito ao
próprio Deus, eis aí um bom resumo do nosso propósito. Mas quando pensamos nos
nossos próprios interesses, fazemos a feliz descoberta de que devemos nos
alegrar em Deus e encontrar prazer no nosso relacionamento com ele. Diz Jesus:
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). Davi diz a
Deus: “Na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias
perpetuamente” (Sl 16.11).
C. O homem à imagem de Deus.
1. O significado de “imagem de Deus”.
De todas as criaturas
que Deus fez, só de uma delas, o homem, diz-se ter sido feita “à imagem de
Deus”. O que isso significa? Podemos usar a seguinte
definição: o fato de ser o homem à imagem
de Deus significa que ele é semelhante a Deus e o representa.
2. A queda: a imagem de Deus se distorce, mas não se perde.
Podemos
nos perguntar se é possível conceber que o homem, mesmo depois de pecar, ainda
é como Deus. Essa pergunta é
respondida ainda no início de Gênesis, onde Deus dá a Noé a autoridade de
estabelecer a pena de morte para o homicídio logo depois da enchente; Deus diz:
“Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua
imagem” (Gn 9.6). Mesmo sendo os homens pecadores, ainda resta neles
bastante semelhança a Deus, tanto que assassinar outra pessoa (“derramar o
sangue” é uma expressão do Antigo Testamento que significa tirar a vida humana)
é atacar a parte da criação que mais se parece com Deus, e revela uma tentativa
ou desejo (se isso fosse possível ao homem) de atacar o próprio Deus.
3. A redenção em Cristo: a recuperação gradual da imagem de Deus.
No
entanto, é animador abrir o Novo Testamento e ver que nossa redenção em Cristo
significa que podemos, mesmo nesta vida, gradualmente crescer cada vez mais na
semelhança de Deus. Por exemplo, Paulo diz que como cristãos temos uma nova
natureza, que “se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que
o criou” (Cl 3.10). À medida que vamos crescendo no verdadeiro conhecimento de
Deus, da sua Palavra e do seu mundo, começamos a pensar cada vez mais os
pensamentos que o próprio Deus tem.
4. Na volta de Cristo: a completa restauração da imagem de Deus.
A
admirável promessa do Novo Testamento é que, assim como somos hoje como Adão
(sujeitos à morte e ao pecado), também seremos como Cristo no futuro
(moralmente puros, jamais sujeitos à morte de novo): “Assim como trouxemos a
imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial” (1Co
15.49). A plena medida da nossa criação à imagem de Deus não se vê na vida de
Adão, que pecou, nem na nossa própria vida hoje, pois somos imperfeitos.
5. Aspectos específicos da nossa semelhança a Deus.
Embora
tenhamos argumentado acima que seria difícil definir todos os aspectos em que
somos semelhantes a Deus, podemos assim mesmo mencionar vários aspectos que nos
revelam mais parecidos com Deus do que todo o restante da criação.
Aspectos morais
(1)Somos
criaturas moralmente responsáveis pelos nossos atos perante Deus.
Correspondente a essa responsabilidade, temos
(2) Um senso íntimo de certo e errado que nos separa dos animais (que
têm pouco ou nenhum senso inato de moralidade ou justiça, mas simplesmente
reagem ao medo do castigo ou à esperança da recompensa). Quando agimos segundo
os parâmetros morais divinos, nossa semelhança a Deus se espelha numa (3) Conduta
santa e justa perante ele, mas, por outro lado, nossa dessemelhança a Deus se revela sempre que pecamos.
Aspectos espirituais
(4)
Não temos somente corpos físicos, mas também espíritos imateriais, e podemos
portanto agir de modos significativos no plano de existência imaterial,
espiritual. Isso significa que temos
(5)
uma vida espiritual que possibilita que nos relacionemos pessoalmente com Deus,
que oremos a ele e o louvemos, e ouçamos as palavras que ele nos diz. Animal
nenhum jamais passou uma hora absorto em oração intercessória pela salvação de
um parente ou de um amigo! Vinculado a essa vida espiritual está o fato de
possuirmos
(6)
imortalidade; não cessaremos de existir, mas viveremos para sempre.
Aspectos mentais.
(7) Temos a capacidade de raciocinar e pensar
logicamente e de conhecer o que nos distingue do mundo animal. Os animais às
vezes exibem conduta admirável na solução de complicações e problemas no mundo
físico, mas certamente não se ocupam do raciocínio abstrato — não há algo como
a “história da filosofia canina”, por exemplo, nem nenhum animal desde a
criação evoluiu na compreensão de problemas éticos ou no uso de conceitos
filosóficos, etc.
(8) O
uso que fazemos da linguagem complexa, abstrata, nos distingue dos animais.
Pude pedir ao meu filho de quatro anos de idade que fosse pegar a chave de
fenda grande e vermelha lá na caixa de ferramentas no porão. Mesmo que jamais a
tivesse visto antes, poderia facilmente executar a tarefa, pois já conhecia os
significados de “ir”, “pegar”, “grande”, “vermelha”, “chave de fenda”, “caixa
de ferramentas” e “porão”.
(9)
Outra diferença intelectual entre seres humanos e animais é que temos uma noção
de futuro distante, até um senso íntimo de que sobreviveremos à nossa morte
física, senso que a muitos proporciona o desejo de tentar mostrar-se retos
diante de Deus antes de morrer (Deus “pôs a eternidade no coração do homem”, Ec
3.11).
(10)
Nossa semelhança a Deus também se percebe na criatividade humana em áreas como
a arte, a música e a literatura, e na engenhosidade científica e tecnológica.
Não devemos pensar que essa criatividade se restringe aos músicos ou artistas
mundialmente famosos; também se reflete de maneira muito bela nas peças ou
brincadeiras inventadas pelas crianças, na destreza que há no preparo de uma
refeição, na decoração de um lar ou no cultivo de um jardim, e na criatividade
exibida por todo ser humano que conserta algo que simplesmente não funcionava
bem. (11) No aspecto das emoções, nossa semelhança a Deus se percebe numa
grande diferença de grau e complexidade. É claro que os animais também exibem
algumas emoções (qualquer pessoa que já tenha tido um cachorro certamente se
lembra de evidentes expressões de alegria, tristeza, medo de castigo diante do
erro, raiva se outro animal invade seu “território”, contentamento e afeto, por
exemplo). Mas na complexidade das emoções que vivenciamos, novamente somos bem
diferentes do resto da criação.
Aspectos relacionais
Além
da capacidade única de nos relacionarmos com Deus, há outros aspectos
relacionais ligados à imagem de Deus.
(12)
Embora os animais sem sombra de dúvida tenham alguma noção de comunidade, a
profundeza de harmonia interpessoal que se vivencia no casamento humano, numa
família humana que funcione segundo os princípios divinos, e numa igreja em que
a comunidade de crentes ande em comunhão com o Senhor e uns com os outros, é
muito maior do que a harmonia interpessoal vivenciada pelos animais. Na nossas
relações familiares e na igreja também somos superiores aos anjos, que não se
casam nem geram filhos nem vivem na companhia dos filhos e filhas remidos de
Deus.
(13)
No próprio casamento, espelhamos a natureza de Deus no fato de os homens e as
mulheres gozarem de igualdade de importância mas diversidade de papéis, desde
que Deus nos criou.
(14)
O homem é como Deus no seu relacionamento com o restante da criação.
Especificamente, o homem recebeu o direito de reger a criação, e quando Cristo
voltar receberá até autoridade para julgar os anjos (1Co 6.3; Gn 1.26, 28; Sl
8.6-8).
Aspectos físicos
Será
que em algum aspecto o corpo humano faz também parte daquilo que significa ser
criado à imagem de Deus? Certamente não devemos pensar que nosso corpo físico
implica que Deus também tem um corpo, pois “Deus é espírito” (Jo 4.24), e é
pecado concebê-lo ou retratá-lo de algum modo que sugira que ele tem um corpo
material ou físico (ver Êx 20.4; Sl 115.3-8; Rm 1.23). Mas ainda que não
devamos em hipótese nenhuma considerar que nosso corpo físico implica que Deus
também tem corpo físico, será que assim mesmo em alguns aspectos nosso corpo
não reflete algo do caráter do próprio Deus, constituindo portanto parte
daquilo que significa ser criado à imagem de Deus? Isso é certamente verdadeiro
em alguns aspectos.
(15) nosso corpo
físico, em vários aspectos, reflete também algo do próprio caráter de Deus.
Além disso, muitos movimentos físicos e demonstrações das habilidades recebidas
de Deus se fazem por meio do uso do corpo. E certamente
(16) a capacidade
física que Deus nos dá de gerar e criar filhos semelhantes a nós (ver Gn 5.3) é
um reflexo da própria capacidade divina de criar seres humanos semelhantes a
ele.
6. Nossa grande dignidade como portadores da imagem de Deus. Seria bom
se refletíssemos mais frequentemente na nossa semelhança com Deus. É provável
que fiquemos surpresos ao descobrir que quando o Criador do universo quis fazer
algo “à sua imagem”, algo mais semelhante
a si do que todo o resto da criação, ele nos criou. Essa descoberta nos dá
um profundo senso de dignidade e importância, pois passamos a refletir sobre a
excelência de todo o restante da criação divina: o universo estrelado, a terra
abundante, o mundo das plantas e dos animais e os reinos dos anjos são
admiráveis, magníficos mesmo.
FRATERNALMENTE EM CRISTO
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