Introdução
A revelação de Deus ocupa lugar central na teologia
cristã, pois sem a iniciativa divina de se dar a conhecer, a fé não passaria de
especulação humana. Mais do que uma transmissão de informações sobre o
transcendente, a revelação é entendida como a autocomunicação de Deus na
história, pela qual Ele se mostra ao ser humano e oferece salvação.
No pensamento teológico do século XX e XXI,
diferentes perspectivas buscam interpretar a natureza e o alcance da revelação
histórica de Deus. Entre elas, destacam-se a abordagem de Wolfhart Pannenberg
(1928–2014), que sublinha o caráter histórico, público e escatológico da
revelação, e a de Wayne Grudem
(1948–), que enfatiza a revelação como processo progressivo, registrado de
forma autoritativa nas Escrituras e culminando na encarnação de Cristo.
Este escrito tem como objetivo apresentar, de
maneira sistemática, o pensamento de ambos os teólogos acerca da revelação
histórica de Deus, explorando seus fundamentos, implicações e diferenças, a fim
de oferecer uma visão abrangente e crítica sobre o tema.
1. Wolfhart Pannenberg: A Revelação como História
Universal
1.1. O caráter público da revelação
Para Pannenberg, a revelação divina não se
restringe à esfera subjetiva da fé ou a experiências privadas, mas se dá na
própria história universal.¹
Ele recusa a noção de revelação como um ato isolado, acessível apenas pela fé
individual, insistindo que a revelação tem caráter público e verificável, podendo ser examinada
racionalmente.²
Esse aspecto marca uma ruptura em relação ao modelo
de Karl Barth, que via a revelação como um evento miraculoso, não redutível à
história. Para Pannenberg, a revelação é histórica, mas não no sentido de que
qualquer evento histórico seja revelação: ela é reconhecida como tal no
horizonte do futuro escatológico,
que confere sentido à totalidade da história.³
1.2. A centralidade da ressurreição
O ponto culminante da revelação histórica de Deus
é, para Pannenberg, a ressurreição de
Jesus.⁴ Esse evento não é apenas uma experiência interior dos
discípulos ou um mito fundador da fé cristã, mas um acontecimento histórico
objetivo, com implicações universais. Nele, Deus antecipa o fim da história e
manifesta sua verdade de modo definitivo.
A ressurreição é, portanto, o critério hermenêutico
da história: é nela que a humanidade pode reconhecer a ação de Deus e antecipar
a consumação escatológica. Assim, a revelação histórica não está encerrada em
um momento isolado, mas aponta para o futuro como consumação daquilo que já se
tornou visível em Cristo.⁵
1.3. Escatologia e universalidade
A revelação, para Pannenberg, só é plenamente
compreendida no horizonte do fim da
história quando, Deus se manifestará de modo total.⁶ Entretanto,
esse futuro já se tornou presente de forma antecipada em Jesus Cristo. Desse
modo, a revelação é simultaneamente histórica e escatológica, presente e
futura.
Além disso, por ocorrer na história pública e
verificável, a revelação tem caráter universal,
não se restringindo a um povo ou comunidade de fé. Embora a história de Israel
seja fundamental como preparação, o clímax da revelação em Cristo destina-se à
humanidade inteira.⁷
2. Wayne Grudem: A Revelação como História
Redentora Progressiva
2.1. Revelação geral e especial
Grudem distingue entre revelação geral, a manifestação de Deus na criação, na
história e na consciência humana, e revelação
especial, pela qual Deus se dá a conhecer de modo particular, ao
longo da história da redenção.⁸ É nessa última que se encontra a “revelação
histórica de Deus”, pois diz respeito aos atos concretos e progressivos de Deus
registrados nas Escrituras.
2.2. Progressividade da revelação
Para Grudem, a revelação divina é progressiva: Deus não comunicou todo o
seu plano de uma só vez, mas ao longo da história, em etapas sucessivas.⁹ A
criação, a aliança com Abraão, o êxodo, a lei mosaica, os profetas e os
escritos sapienciais formam uma linha contínua que culmina na encarnação de
Cristo.
Cada etapa acrescenta clareza, mas é apenas em
Cristo que a revelação atinge sua plenitude. Essa visão aproxima-se da noção
bíblica de que a revelação é um drama histórico, em que cada ato prepara o
seguinte.
2.3. A Escritura como registro autorizado
Grudem sublinha que a revelação histórica de Deus
está registrada na Escritura, de
forma inspirada, inerrante e autoritativa.¹⁰ A Bíblia é, portanto, o meio pelo
qual as futuras gerações podem acessar a revelação que ocorreu na história.
Assim, ainda que a revelação tenha se dado em
eventos concretos, como a travessia do Mar Vermelho ou a ressurreição de Jesus,
ela só é interpretada corretamente à luz da Escritura. Esse ponto distingue
Grudem de Pannenberg: para o primeiro, a Escritura é o testemunho normativo e
insubstituível da revelação.
2.4. Cristo como plenitude da revelação
Seguindo a tradição evangélica, Grudem afirma que a
revelação histórica tem seu ápice em Jesus
Cristo.¹¹ Todos os eventos anteriores apontam para ele, e a própria
Escritura encontra nele sua chave interpretativa. Assim, Cristo é tanto o
conteúdo quanto à forma definitiva da revelação.
3. Convergências e Divergências
3.1. Pontos de convergência
Tanto Pannenberg quanto Grudem reconhecem:
- A
centralidade de Jesus Cristo como plenitude da revelação;
- O
caráter histórico da revelação, que não é mito nem mera especulação;
- A
progressividade da revelação, entendida como processo que culmina em
Cristo.
3.2. Pontos de divergência
Contudo, suas diferenças são significativas:
- Pannenberg vê a revelação como
processo histórico e escatológico, verificável publicamente e culminando na
ressurreição de Cristo, aberta à investigação racional.
- Grudem, por outro lado, sublinha a
dimensão bíblico-proposicional:
a revelação histórica de Deus está registrada de modo autoritativo na
Escritura, e sua interpretação deve ser guiada pela fé e pela autoridade
da Palavra.
Enquanto Pannenberg abre espaço para o diálogo com
a filosofia e a ciência, Grudem adota uma postura mais confessional, enraizada
no evangelicalismo12 e na tradição reformada.
Conclusão
A revelação histórica de Deus é uma categoria fundamental
da teologia cristã, pois mostra que Deus não é apenas um princípio abstrato,
mas um Deus vivo que age concretamente na história para se revelar à
humanidade.
A contribuição de Wolfhart Pannenberg destaca o caráter público, racional e
escatológico dessa revelação, insistindo que a ressurreição de Jesus é o evento
central que antecipa o fim da história. Sua ênfase está em mostrar que a
revelação não é privada, mas universal e verificável.
Já Wayne Grudem
oferece uma perspectiva mais confessional e didática, ressaltando a
progressividade da revelação ao longo da história da redenção, seu registro
autoritativo na Escritura e sua culminância em Cristo como plenitude.
Ambos, ainda que por caminhos distintos, reafirmam
que a revelação histórica de Deus é um testemunho de seu amor e fidelidade,
chamando a humanidade a reconhecer sua ação no tempo e a responder com fé e
obediência.
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- Pannenberg, Wolfhart. Revelation
as History. New York: Macmillan, 1968, p. 121-125.
- Ibid., p. 135-138.
- Pannenberg, Wolfhart. Systematic
Theology, vol. 1. Grand Rapids: Eerdmans, 1991, p. 41-47.
- Pannenberg, Wolfhart. Jesus
– God and Man. Philadelphia: Westminster Press, 1968, p. 104-110.
- Ibid., p. 118-124.
- Pannenberg, Wolfhart. Basic
Questions in Theology, vol. 2. Philadelphia: Fortress Press, 1971, p.
12-18.
- Pannenberg, Systematic
Theology, vol. 1, p. 52-56.
- Grudem, Wayne. Teologia
Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, cap. 6, p. 111-115.
- Ibid., cap. 8, p. 127-134.
- Ibid., cap. 4-5, p. 55-70.
- Ibid., cap. 8, p. 135-139.
- O evangelicalismo
é um movimento cristão de origem protestante caracterizado pela ênfase na conversão pessoal, na autoridade da Bíblia e na centralidade da fé em Jesus Cristo como experiência transformadora.
Embora suas raízes estejam na Reforma Protestante do século XVI, o
movimento adquiriu contornos próprios a partir do século XVII e foi
amplamente fortalecido pelos avivamentos e despertamentos espirituais ocorridos
na Inglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos. (Bebbington, David W. Evangelicalism
in Modern Britain: A History from the 1730s to the 1980s.
London: Routledge, 1989).
Artigo interessante!
ResponderExcluirParabéns pela exposição do texto!
ResponderExcluirAcredito que somos mais confessionais com W.Grudem!
ResponderExcluirA exposição de Pannenberg é interessante!
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