sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A Revelação Histórica de Deus: Contribuições de Wolfhart Pannenberg e Wayne Grudem

 


Introdução

A revelação de Deus ocupa lugar central na teologia cristã, pois sem a iniciativa divina de se dar a conhecer, a fé não passaria de especulação humana. Mais do que uma transmissão de informações sobre o transcendente, a revelação é entendida como a autocomunicação de Deus na história, pela qual Ele se mostra ao ser humano e oferece salvação.

No pensamento teológico do século XX e XXI, diferentes perspectivas buscam interpretar a natureza e o alcance da revelação histórica de Deus. Entre elas, destacam-se a abordagem de Wolfhart Pannenberg (1928–2014), que sublinha o caráter histórico, público e escatológico da revelação, e a de Wayne Grudem (1948–), que enfatiza a revelação como processo progressivo, registrado de forma autoritativa nas Escrituras e culminando na encarnação de Cristo.

Este escrito tem como objetivo apresentar, de maneira sistemática, o pensamento de ambos os teólogos acerca da revelação histórica de Deus, explorando seus fundamentos, implicações e diferenças, a fim de oferecer uma visão abrangente e crítica sobre o tema.

1. Wolfhart Pannenberg: A Revelação como História Universal

1.1. O caráter público da revelação

Para Pannenberg, a revelação divina não se restringe à esfera subjetiva da fé ou a experiências privadas, mas se dá na própria história universal.¹ Ele recusa a noção de revelação como um ato isolado, acessível apenas pela fé individual, insistindo que a revelação tem caráter público e verificável, podendo ser examinada racionalmente.²

Esse aspecto marca uma ruptura em relação ao modelo de Karl Barth, que via a revelação como um evento miraculoso, não redutível à história. Para Pannenberg, a revelação é histórica, mas não no sentido de que qualquer evento histórico seja revelação: ela é reconhecida como tal no horizonte do futuro escatológico, que confere sentido à totalidade da história.³

1.2. A centralidade da ressurreição

O ponto culminante da revelação histórica de Deus é, para Pannenberg, a ressurreição de Jesus.⁴ Esse evento não é apenas uma experiência interior dos discípulos ou um mito fundador da fé cristã, mas um acontecimento histórico objetivo, com implicações universais. Nele, Deus antecipa o fim da história e manifesta sua verdade de modo definitivo.

A ressurreição é, portanto, o critério hermenêutico da história: é nela que a humanidade pode reconhecer a ação de Deus e antecipar a consumação escatológica. Assim, a revelação histórica não está encerrada em um momento isolado, mas aponta para o futuro como consumação daquilo que já se tornou visível em Cristo.⁵

1.3. Escatologia e universalidade

A revelação, para Pannenberg, só é plenamente compreendida no horizonte do fim da história quando, Deus se manifestará de modo total.⁶ Entretanto, esse futuro já se tornou presente de forma antecipada em Jesus Cristo. Desse modo, a revelação é simultaneamente histórica e escatológica, presente e futura.

Além disso, por ocorrer na história pública e verificável, a revelação tem caráter universal, não se restringindo a um povo ou comunidade de fé. Embora a história de Israel seja fundamental como preparação, o clímax da revelação em Cristo destina-se à humanidade inteira.⁷

2. Wayne Grudem: A Revelação como História Redentora Progressiva

2.1. Revelação geral e especial

Grudem distingue entre revelação geral, a manifestação de Deus na criação, na história e na consciência humana, e revelação especial, pela qual Deus se dá a conhecer de modo particular, ao longo da história da redenção.⁸ É nessa última que se encontra a “revelação histórica de Deus”, pois diz respeito aos atos concretos e progressivos de Deus registrados nas Escrituras.

2.2. Progressividade da revelação

Para Grudem, a revelação divina é progressiva: Deus não comunicou todo o seu plano de uma só vez, mas ao longo da história, em etapas sucessivas.⁹ A criação, a aliança com Abraão, o êxodo, a lei mosaica, os profetas e os escritos sapienciais formam uma linha contínua que culmina na encarnação de Cristo.

Cada etapa acrescenta clareza, mas é apenas em Cristo que a revelação atinge sua plenitude. Essa visão aproxima-se da noção bíblica de que a revelação é um drama histórico, em que cada ato prepara o seguinte.

2.3. A Escritura como registro autorizado

Grudem sublinha que a revelação histórica de Deus está registrada na Escritura, de forma inspirada, inerrante e autoritativa.¹⁰ A Bíblia é, portanto, o meio pelo qual as futuras gerações podem acessar a revelação que ocorreu na história.

Assim, ainda que a revelação tenha se dado em eventos concretos, como a travessia do Mar Vermelho ou a ressurreição de Jesus, ela só é interpretada corretamente à luz da Escritura. Esse ponto distingue Grudem de Pannenberg: para o primeiro, a Escritura é o testemunho normativo e insubstituível da revelação.

2.4. Cristo como plenitude da revelação

Seguindo a tradição evangélica, Grudem afirma que a revelação histórica tem seu ápice em Jesus Cristo.¹¹ Todos os eventos anteriores apontam para ele, e a própria Escritura encontra nele sua chave interpretativa. Assim, Cristo é tanto o conteúdo quanto à forma definitiva da revelação.

3. Convergências e Divergências

3.1. Pontos de convergência

Tanto Pannenberg quanto Grudem reconhecem:

  • A centralidade de Jesus Cristo como plenitude da revelação;
  • O caráter histórico da revelação, que não é mito nem mera especulação;
  • A progressividade da revelação, entendida como processo que culmina em Cristo.

3.2. Pontos de divergência

Contudo, suas diferenças são significativas:

  • Pannenberg vê a revelação como processo histórico e escatológico, verificável publicamente e culminando na ressurreição de Cristo, aberta à investigação racional.
  • Grudem, por outro lado, sublinha a dimensão bíblico-proposicional: a revelação histórica de Deus está registrada de modo autoritativo na Escritura, e sua interpretação deve ser guiada pela fé e pela autoridade da Palavra.

Enquanto Pannenberg abre espaço para o diálogo com a filosofia e a ciência, Grudem adota uma postura mais confessional, enraizada no evangelicalismo12 e na tradição reformada.

Conclusão

A revelação histórica de Deus é uma categoria fundamental da teologia cristã, pois mostra que Deus não é apenas um princípio abstrato, mas um Deus vivo que age concretamente na história para se revelar à humanidade.

A contribuição de Wolfhart Pannenberg destaca o caráter público, racional e escatológico dessa revelação, insistindo que a ressurreição de Jesus é o evento central que antecipa o fim da história. Sua ênfase está em mostrar que a revelação não é privada, mas universal e verificável.

Wayne Grudem oferece uma perspectiva mais confessional e didática, ressaltando a progressividade da revelação ao longo da história da redenção, seu registro autoritativo na Escritura e sua culminância em Cristo como plenitude.

Ambos, ainda que por caminhos distintos, reafirmam que a revelação histórica de Deus é um testemunho de seu amor e fidelidade, chamando a humanidade a reconhecer sua ação no tempo e a responder com fé e obediência.

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  1. Pannenberg, Wolfhart. Revelation as History. New York: Macmillan, 1968, p. 121-125.
  2. Ibid., p. 135-138.
  3. Pannenberg, Wolfhart. Systematic Theology, vol. 1. Grand Rapids: Eerdmans, 1991, p. 41-47.
  4. Pannenberg, Wolfhart. Jesus – God and Man. Philadelphia: Westminster Press, 1968, p. 104-110.
  5. Ibid., p. 118-124.
  6. Pannenberg, Wolfhart. Basic Questions in Theology, vol. 2. Philadelphia: Fortress Press, 1971, p. 12-18.
  7. Pannenberg, Systematic Theology, vol. 1, p. 52-56.
  8. Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, cap. 6, p. 111-115.
  9. Ibid., cap. 8, p. 127-134.
  10. Ibid., cap. 4-5, p. 55-70.
  11. Ibid., cap. 8, p. 135-139.
  12. O evangelicalismo é um movimento cristão de origem protestante caracterizado pela ênfase na conversão pessoal, na autoridade da Bíblia e na centralidade da fé em Jesus Cristo como experiência transformadora. Embora suas raízes estejam na Reforma Protestante do século XVI, o movimento adquiriu contornos próprios a partir do século XVII e foi amplamente fortalecido pelos avivamentos e despertamentos espirituais ocorridos na Inglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos. (Bebbington, David W. Evangelicalism in Modern Britain: A History from the 1730s to the 1980s. London: Routledge, 1989).

 

 

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