Todos esses escritos são individuais. Não foram escritos
todos pelo mesmo autor, nem têm o mesmo tema. Por isso, é melhor estuda-los
separadamente. As epístolas joanina, é claro, pertencem a esse grupo, mas têm
uma associação óbvia com os demais escritos joaninos.
A Epístola aos Hebreus
Esta epístola distingui-se claramente de todos os outros
escritos do Novo Testamento. Ela se restringe às áreas de interesse judaico e
seu conceito de Cristo como o grande sumo sacerdote é exclusivo. Há polêmica
quanto a quem tenha sido seu autor e destinatários, mas pode-se identificar a
teologia desta epístola sem se entrar nestas questões específicas.
O Cristo Incomparável
A carta começa com uma longa descrição da pessoa de
Cristo. Aqui o escritor deixa claro que Jesus é uma pessoa maravilhosa, muito
acima da criação, estando à altura de Deus. Ele o identifica como “Filho”
(1.2), em contraste com os profetas. Imediatamente percebemos que ele está em
um nível diferente das pessoas mais impressionantes que já existiram. O
escritor nos informa em seguida que Cristo é “o herdeiro de todas as coisas”,
dizendo com isso que, com relação a toda essa imensa criação, ele tem a posição
de herdeiro, de Filho do dono. Foi por meio dele que Deus fez tudo o que
existe. Ele é o brilho (ou talvez, reflexo) da glória de Deus e a representação
exata do seu ser (1.3).
Ele é superior aos anjos porque herdou mais excelente
nome do que eles (1.4); a essência de seu ser é de outra ordem. O escritor
passa a mostrar isso com uma série de citações das Escrituras que falam do
Filho, uma forma de tratamento não usada para anjos (1.5), ou de anjos que o
adoram (1.6) e são seus servos (1.7). Depois fala dele como rei (1.8) e da sua
obra na criação e da sua eternidade (1.10-12).
O autor de Hebreus ainda
fala da tão grande salvação que Cristo ofereceu (2.9-18). Fala ainda que Cristo
é superior a Moisés (3.1-6). O autor mostra que Moisés foi fiel como servo na
casa de Deus, mas Cristo foi fiel como Filho sobre essa casa (3.5-6).
Sacerdote como
Melquisedeque
O autor traça um perfil altamente particular de
Melquisedeque. Ele diz três vezes que Cristo é um sacerdote ou sumo sacerdote
como este homem (5.6, 10, 6.20), e mais tarde faz um estudo abrangente do tema
no capítulo 7. Melquisedeque aparece em um episódio em Gênesis 15.18-20. Somos
informados que ele era rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo; ele trouxe
pão e vinho a Abraão quando este retornou da vitória na batalha, o abençoou e recebeu
dele uma décima parte dos despojos. Isso é tudo. Nada consta sobre a linhagem
ou posteridade de Melquisedeque. Nada mais se diz sobre ele em nenhum outro
lugar do Antigo Testamento, com a exceção de uma referência a um sacerdote como
Melquisedeque em Salmos 110.4.
O que valia para Melquisedeque, no sentido de que seu
registro não revelava mais nada, valia para Cristo como um fato. Ele não tinha
nem origem nem fim. Sua vida era de uma ordem diferente da dos demais. Não
devemos esquecer que Melquisedeque foi feito como o Filho de Deus. Não devemos
fazer do sacerdócio de Melquisedeque um padrão e achar que Cristo se adaptou a
esse padrão. A coisa é inversa: o sacerdócio de Cristo é que é definitivo, e
Melquisedeque simplesmente nos ajuda a compreende-lo um pouco melhor. A vida de
Cristo é “indissolúvel” (7.16); não que ela não vá terminar; ela não pode
terminar. Há uma qualidade distinta nessa vida, para a qual apontam as
declarações a respeito de Melquisedeque. Outros sacerdotes morrem e são
substituídos, mas o sacerdócio de Cristo não tem fim (7.23-25).
O pagamento do dízimo a Melquisedeque e a bênção dada por
ele são argumentos em favor da superioridade de Cristo sobre os sacerdotes
levitas. Levi, de quem esses sacerdotes descendem, ainda não tinha nascido. Ele
ainda estava “nos lombos” do seu ancestral Abraão quando o dízimo foi pago; em
termos simbólicos, foi Levi quem o pagou (7.9-10). E a bênção que Melquisedeque
deu a Abraão tem muito significado porque não há dúvida de que aquele que
abençoa é maior do que a pessoa abençoada (7.7). Os dois fatos apontam para a
verdade de que o sacerdócio exercido por Cristo é maior do que o que era
exercido pelos sacerdotes de Jerusalém.
A Nova Aliança
A idéia de que a morte de Cristo marcou o início da nova
aliança predita por Jeremias, não é exclusiva do escritos aos Hebreus. Já a
encontramos em Paulo e nos relatos da última ceia nos sinóticos. Mas ninguém a
desenvolve tanto quanto este escritor. Mais da metade das ocorrências da
palavra “aliança” (diaq»kh) no Novo Testamento (17 de um total de 33), se
encontra em seu escrito, e a maioria delas se refere à nova aliança. Temos de observar, em primeiro lugar, que
há algo de incomum na terminologia. A palavra grega normalmente traduzida por
“aliança” é sÚnqhkh, mas ela não ocorre no Novo Testamento. A palavra diaq»kh é a que se usa normalmente em referência à última
vontade ou testamento. Ela é usada constantemente com esse sentido, e fora de
Bíblia é muito difícil de encontrar um exemplo de seu uso com outro sentido. A
idéia da aliança que Deus fez com Israel é, logicamente, um dos principais
conceitos do Antigo Testamento. Os tradutores talvez tenham achado que sÚnqhkh, com sua conotação de duas palavras que elaboram os
termos de um acordo e depois o assinam, não era uma boa palavra para descrever
o que aconteceu quando Deus fez uma aliança. Não houve negociação. Deus é quem
definiu os termos; tudo o que Israel fez foi aceita-los. Tenha sido esta a
razão ou não, o fato está claro: Os tradutores escolheram diaq»kh, a palavra associada com testamento, para traduzir
normalmente a palavra hebraica correspondente à “aliança”. Isso não de vez em
quando; eles o fizeram 277 vezes.
O
escritor mostra que a morte de Jesus possibilita que os chamados recebam “a
promessa da eterna herança” (9.15) e faz afirmação de que é a sua morte que
proporciona redenção das transgressões cometidas sob a primeira aliança. Os
sacrifícios levíticos não removiam os pecados; somente a morte de Cristo podia
fazer isso, mas os santos do Antigo Testamento foram realmente
salvos, pois a morte de
Jesus valeu para os pecados deles, assim como para os daqueles que viriam mais
tarde.
Sombra e substância
Ao usar o termo “sombra”, provavelmente, devemos entender
que o autor está fazendo uso de uma forma de “platonismo popular” em Alexandria. Seu
pensamento principal concorda com o Antigo Testamento, mas ele também declara
que o celestial excede de longe o terreno; em algumas passagens isso é muito
importante. Por exemplo, ele vê os sacerdotes levitas servindo em um santuário
que não passava de “figura e sombra” do celestial (8.5), o antítipo do
verdadeiro (9.24). A própria lei não era mais que sombra das coisas boas que
viriam; ela não era a própria realidade (10.1). O ministério de Cristo não foi
exercido no templo, no santuário terreno, mas no “maior e mais perfeito
tabernáculo” (9.11), e seu sacrifício foi melhor do que qualquer uma das
“figuras das coisas que se acham nos céus” (9.23).
A Epístola de Tiago
A epístola de Tiago é marcada por uma forte ênfase na
vida de retidão, e isso levou alguns estudiosos a pensar que o escritor tinha
pouco interesse teológico, o que é uma inferência errônea. Tiago não tem
dúvidas quanto à importância de viver plenamente as implicações da profissão de
fé cristã e isso não está baseado em algum princípio filosófico geral, mas em convicções. Sua
carta é curta, mas ele dá provas de conhecer um número surpreendente de livros
do Antigo Testamento e de estar bem familiarizado com os ensinos de Jesus. O
que ele escreve procede deste cenário.
Tiago
é monoteísta (2.19) e entende que Deus está em atividade. Devemos
orar por sabedoria, pois Deus a dá liberalmente (1.5). Deus escolheu “os que
para o mundo são pobres, para serem ricos em fé” (2.5), o que evidencia tanto o
cuidado de Deus pelos pobres como a fé como dádiva sua. O ser humano foi feito
a imagem de Deus (3.9), algo que, naturalmente tem implicações para a maneira
como ele deve viver. Não é apropriado amaldiçoar alguém, por exemplo: Deus é
sempre justo e exige justiça dos seus. Ele não é tentado pelo mal e não tenta
ninguém (1.3). Ele quer que os cristãos sejam “tardios para se irar, porque a
ira do homem não produz a justiça de Deus” (1.19-20). Ele enxerga a visita à
viúva e órfãos em suas dificuldades como exemplo do tipo de religião que Deus
aceita; isso deve vir junto com manter-se limpo da imundície do mundo (1.27).
Tiago vê que o mundo está em oposição à Deus, tanto que ser amigo do mundo
significa ser inimigo de Deus (4.4). Deus resiste aos orgulhosos, mas dá graça
a quem é humilde (4.6); “sujeitai-vos, portanto a Deus” (4.7). Deus responde a
atitudes corretas da nossa parte: “Chegai-vos a Deus”, diz Tiago, “e ele se
chegará a vós” (4.8). Vemos isso no caso de Abraão. Esse patriarca confiou em
Deus e isso lhe foi creditado como justiça, e ele foi chamado amigo de Deus
(2.23).
A
lei é importante, e Tiago fala paradoxalmente da “lei perfeita”, lei da
liberdade (1.25); é por essa lei que todos seremos julgados (2.12). Ele fala
também da “lei régia” (2.8), que ele explica em termos de amor. Está claro que,
para Tiago, a lei tem importância crucial, mas está igualmente claro que ele
não a entende do mesmo modo como os judeus normalmente faziam. Leonhard Goppelt
comenta “a perfeição da lei não estava em ser ela a lei ideal, mas em
reivindicar o ser humano totalmente para o seu Criador, em toma-lo inteiramente
por dentro e liberta-lo!” A liberdade verdadeira vem apenas do fato de sermos
servos de Deus.
As epístolas de Pedro
1Pedro
Pedro não tem dúvidas quanto à grandeza de Cristo e à
maravilhosa salvação que ele conquistou para nós. Ele tem algumas das
declarações mais notáveis do Novo Testamento sobre o valor expiatório dos
sofrimentos de Cristo e sobre a glória que estes sofrimentos proporcionam aos
crentes.
O
Espírito Santo está ativo no trabalho de proclamação, pois o evangelho foi
pregado a estes leitores pelo Espírito Santo enviado do céu (1.12). A pregação
do evangelho não é uma conquista apenas humana; s o
Espírito Santo não agir, não haverá resultado. A conversão de alguém é obra
divina e não humana. A vida do cristão está sobre a influência do Espírito,
porque “sobre vós repousa o Espírito da glória de Deus” (4.14). Os leitores
estavam sendo maltratados e insultados por causa da sua ligação com Cristo, mas
eles não deviam se deixar abalar por isso. Ninguém menos que o Espírito da
glória, o Espírito do próprio Deus está com eles. O que importam as opiniões do
mundo?
O apóstolo dá um grande valor à vida coletiva dos
cristãos. Ele não usa a palavra “igreja”, mas escreve sobre ela, como quando
diz a seus leitores que eles são “raça eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo adquirido por Deus” (2.9). Eles são como pedras vivas utilizadas para
construir uma “casa espiritual”, um sacerdócio santo e como tal oferecem
“sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo” (2.5).
Houve tempo em que eles nem povo eram; agora são povo de Deus (2.10). Isso
significa que aqui eles são estrangeiros e exilados. O interesse do apóstolo na
igreja talvez esteja por detrás das suas referências ao batismo (3.21) e aos
anciãos (5.1-4).
2Pedro
Pedro dirige-se aos seus leitores como “os que conosco
obtiveram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus
Cristo” (1.1). Ele escreve sobre a iniciativa de Cristo em produzir fé e
apresenta a obra de Cristo em termos de justiça, como Paulo. Mas há uma
diferença: em Paulo, justiça é a posição correta que os crentes têm, aqui a
idéia é que a salvação é produto da justiça ou retidão de Cristo. A salvação
não é resultado de esforço humano, mas do que Cristo fez e nós a recebemos pela
fé. Pedro afirma várias vezes que Cristo é Salvador (1.1, 2.20, 3.2, 18).
Pedro não diz muito sobre a forma assumida pelo ensino
falso; é claro que ele não está interessado em divulgar o erro ao reproduzi-lo
em sua carta, mas ele diz que eles “renegam o Soberano Senhor que os resgatou”
(2.1). Isso é uma referência à cruz como ato de redenção: Cristo comprou todos
os cristãos com o seu sangue. Não temos certeza sobre como os mestres negavam isso.
Pode ser que a conduta deles fosse incompatível com a fé genuína na redenção,
ou que eles tivessem uma idéia diferente sobre o significado da cruz. O que
realmente importa é que estes mestres tinham se desviado do cerne da fé.
Judas
Em 2Pedro há
paralelos próximos a tudo o que está em Judas, com exceção dos três primeiros
versículos e dos últimos sete. Os dois escritores enfrentavam hereges que se
esforçavam na tentativa de subverter os fiéis e ambos escreveram para corrigir
a situação. Judas poderia ter escrito sobre a salvação (3), mas as necessidades
prementes da hora fizeram com que ele tratasse das questões urgentes. Por isso,
acabou falando do castigo dos pecadores nas mãos de Deus (dos que pereceram no
deserto, dos anjos que pecaram, de Sodoma e Gomorra – 5, 7). Ao reprovar a
soberba dos hereges ele falou de Miguel e de como recorreu a Deus para expulsar
o diabo; ele não se atreveu a fazê-lo pessoalmente (8, 9). Para Judas, os falos
mestres não tinham entendimento, compactuavam com o erro a fim de obter lucros
(como fizera Balaão) e não tinham conteúdo; por essas razões receberiam castigo
severo (10, 13).
Deus, porém, não é derrotado. Enoque profetizou sobre a
condenação dessas pessoas (14, 16) e, mais tarde, os apóstolos de Jesus também
profetizaram acerca deles (17). Os crentes, por isso, não deviam se deixar
perturbar, mas continuar na fé santíssima (20) e levar avante seu trabalho
evangelístico e pastoral (21, 23). Há alguns problemas com esse breve escrito,
mas talvez seja suficiente observar que ele diz mais ou menos a mesma coisa que
2Pedro. Ele enfatiza a importância da fé certa e da vida de retidão. No fim,
Judas espera que Deus, em Cristo, nos impeça de cair e, assim, nos apresente
sem máculas diante dele (24, 25).
Fraternalmente em Cristo.
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