quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O SURGIMENTO E A ACEITAÇÃO DO NOME “TRINDADE” NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO

 

Por Josué de A Soares

Introdução

O termo Trindade (em latim, Trinitas) é uma das expressões mais centrais e, ao mesmo tempo, mais complexas da teologia cristã. Apesar de a doutrina trinitária estar presente nas Escrituras de forma implícita, o uso técnico do termo “Trindade” surgiu apenas nos primeiros séculos da era cristã, como forma de sistematizar a fé em um único Deus revelado em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.

1. A origem do termo “Trindade”

A palavra Trinitas foi empregada pela primeira vez por Tertuliano de Cartago (c. 160–220 d.C.), um dos pais da Igreja de língua latina, em sua obra Adversus Praxean (“Contra Práxeas”). Ele utilizou o termo para explicar a distinção e unidade entre as três pessoas divinas, combatendo o monarquianismo modalista, que afirmava que o Pai, o Filho e o Espírito eram apenas modos diferentes de manifestação de um único Deus sem distinção pessoal¹.

Tertuliano escreveu: “Trinitas unius divinitatis, Pater et Filius et Spiritus Sanctus” (“A Trindade de uma única divindade: Pai, Filho e Espírito Santo”)². Essa formulação foi um marco teológico, pois estabeleceu a base conceitual para o desenvolvimento posterior da doutrina.

2. Desenvolvimento e aceitação no pensamento cristão

Após Tertuliano, outros teólogos contribuíram para a consolidação da terminologia trinitária. Orígenes de Alexandria (c. 185–254) empregou o termo Trinitas no contexto grego (Triás), enfatizando que o Filho é eternamente gerado pelo Pai e que o Espírito procede de ambos³.

O Concílio de Niceia (325 d.C.) foi o ponto decisivo para a aceitação oficial da doutrina. Nesse concílio, a Igreja afirmou a consubstancialidade (homoousios) do Filho com o Pai, em resposta ao arianismo, que negava a plena divindade do Filho⁴. A expressão “Trindade”, embora não mencionada explicitamente no Credo Niceno, passou a ser aceita como categoria teológica que sintetizava a fé ortodoxa.

Mais tarde, o Concílio de Constantinopla (381 d.C.) completou a definição ao incluir a plena divindade do Espírito Santo, consagrando definitivamente a fórmula trinitária na teologia e liturgia cristã⁵.

3. A sistematização patrística

Com o passar dos séculos, teólogos como Atanásio de Alexandria, Basílio de Cesareia, Gregório de Nazianzo e Agostinho de Hipona refinaram o conceito. Agostinho, em sua obra De Trinitate, desenvolveu uma compreensão filosófico-teológica da unidade e diversidade divina, afirmando que “Deus é uma essência e três pessoas”⁶.

Esses esforços consolidaram a doutrina não apenas como uma verdade de fé, mas também como estrutura fundamental do pensamento cristão. Assim, o termo “Trindade” deixou de ser uma expressão polêmica e passou a representar a ortodoxia cristã universalmente reconhecida.

Conclusão

O nome “Trindade” nasceu da necessidade de a Igreja primitiva expressar, de modo coerente e fiel à revelação bíblica, o mistério de um Deus único em três pessoas. Desde Tertuliano até os grandes concílios ecumênicos, o termo foi sendo aperfeiçoado e aceito como símbolo da unidade e diversidade divinas.

A aceitação do nome e da doutrina da Trindade não se deu por especulação filosófica, mas por fidelidade à experiência da fé cristã, que reconhece a ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo na criação, redenção e santificação da humanidade.

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  1. TERTULIANO. Adversus Praxean, cap. II. In: SCHNEIDER, Theodor (org.). Tratado de Teologia Dogmática: Deus Uno e Trino. São Paulo: Paulus, 1999.
  2. GONZÁLEZ, Justo L. História do Pensamento Cristão. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 162.
  3. ORÍGENES. De Principiis, I, 3, 5. Trad. Henry Chadwick. Cambridge: Cambridge University Press, 1966.
  4. BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 2001, p. 56–58.
  5. KELLY, J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 129–132.
  6. AGOSTINHO. De Trinitate. In: Obras Completas de Santo Agostinho. Madrid: BAC, 1955, p. 37–45.

 

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